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GRAÇA CASTANHO: “Os Açores só se efectivam com as suas comunidades”
2011-10-03
São já 25 anos de ligação à temática da emigração. Professora universitária, investigadora e escritora, Maria da Graça Castanho assumiu em Outubro de 2010 os destinos da Direcção Regional das Comunidades, nos Açores. Está como «peixe na água», num universo que domina e pelo qual tem admiração e especial carinho: a diáspora açoriana. Em entrevista a O Emigrante/Mundo Português, à margem da 16ª Conferência Internacional Metrópolis, realizada nos Açores, Graça Castanho fala da importância da emigração açoriana para um arquipélago com 250 mil habitantes mas que tem mais de um milhão dos seus a viverem no estrangeiro...

Onde estão os emigrantes açorianos?

A emigração açoriana está mais concentrada no Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil e nas Bermudas.
No Brasil, a concentração de emigrantes açorianos está implantada do Rio de Janeiro para baixo. A Casa dos Açores do Rio de Janeiro, que abriu pela mão do escritor Vitorino Nemésio, vai celebrar 60 anos. Temos também Casas dos Açores em São Paulo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, estas duas últimas nas zonas do Brasil onde há a emigração açoriana mais antiga, onde já vamos na 11ª geração. No Rio Grande do Sul estamos a comemorar os 260 anos de povoamento açoriano. As comunidades açorianas não estão em nenhum local onde algum dia tenham sido restringidas ou impedidas de fazer o que quer que fosse. É interessante perceber que as nossas comunidades têm evoluído, mas tem havido sempre lugar para manter a sua matriz cultural. Por exemplo, no Uruguai, em 2013, vamos estar a comemorar 250 anos de povoamento açoriano. E na primeira semana de Setembro, no decurso do Congresso Mundial das Casas dos Açores, a Associação Los Azorenos, que existe no Uruguai há 47 anos, transformou-se na 13ª Casa dos Açores.
Nos Estados Unidos, temos duas comunidades diferentes. Uma emigração por via dos barcos baleeiros que começou há mais de um século e quase todo esse grupo foi para a Califórnia, havendo depois sempre gente a chegar. É uma vaga mais antiga, mais estabelecida, muito rica, muito ligada à agricultura, pecuária, indústria de lacticínios. E temos a vaga na década de 60 do século passado, com a abertura de fronteiras à emigração açoriana. Essa última vaga para os Estados Unidos, deu-se por causa da erupção do vulcão dos Capelinhos, tendo a maioria ido para Massachusetts e Rhode Island, trabalhar em fábricas, na construção de estradas e dos caminhos de ferro e para a pesca.
O Canadá foi o nosso último destino de emigração. Começou em finais dos anos 50, fruto de um acordo entre os governos do Canadá e Portugal e ao abrigo do qual o Canadá abriu a fronteira a famílias portuguesas, sendo a vasta maioria de origem açoriana. Ali também chegaram pessoas que usufruíram da lei que permitiu a entrada de açorianos aos Estados Unidos - e que depois seguiram para o Canadá. A vasta maioria dos emigrantes portugueses que lá está, é açoriana. É uma belíssima comunidade, estão especialmente na zona de Toronto mas também em Montreal, Winnipeg e Vancouver. Falamos basicamente de primeiras e segundas gerações, muitos bem integradas. Em Gatineau, na província do Quebeque, há uma fortíssima comunidade originária do norte de São Miguel e que constitui mais de metade da população dessa grande cidade. A comunidade jovem começa a ter uma formação académica acima da média e para que a integração comece a acontecer é preciso que as camadas mais jovens vão para as universidades para terem essa capacidade interventiva. Mas já temos muitos políticos portugueses a intervirem na política no Canadá.
Nas Bermudas, a emigração açoriana surge ainda antes do Canadá e constituiu um destino muito diferente de todos os outros. Os portugueses naquelas ilhas - e a grande maioria são açorianos - constituem o segundo grupo étnico, logo a seguir aos autóctones. A nossa emigração para as Bermudas é antiga, é muito importante e tem-se feito à base dos contratos de trabalho a termo certo. Mesmo que tenham lá filhos, estes são portugueses, porque as Bermudas fazem grandes restrições a nível da nacionalidade, da aquisição de casa, etc. Claro que aqueles que foram durante os primeiros fluxos migratórios ficaram lá.

Actualmente, há emigração dos Açores?
Actualmente, as Bermudas são o único destino de emigração de açorianos. São todos de São Miguel e realizam fluxos migratórios sazonais. Grande parte do trabalho que desenvolvemos no nosso serviço de atendimento aos emigrantes, imigrantes e regressados, em São Miguel, é para candidatos à emigração para as Bermudas que só saem daqui com contratos de trabalho por tempo determinado. Alguns voltam aos Açores mas outros regressam e ficam de vez.

Essa comunidade está bem apoiada a nível consular?
Tem sido sempre uma preocupação, para além dos períodos em que não há cônsul (de carreira), nem cônsul honorário, nem há funcionário nenhum do consulado. O que o anterior Governo fez foi reduzir o Consulado a um Escritório Consular. Ou seja, não tem autonomia nenhuma. Há um funcionário, mas que não tem capacidade para resolver nada, porque toda a documentação, todos os procedimentos, têm que passar pelo Consulado Geral de Portugal em Londres, Inglaterra.
Mas estou em crer que este Governo está sensível a esta situação. Estive reunida com o novo secretário de Estado das Comunidades que vê com bons olhos a retoma de um consulado nas Bermudas. Porque ali há uma comunidade muito grande, muito forte, com especificidades que exigem a presença de um consulado. Estão sujeitos a vindas obrigatórias, têm que tratar de documentação e aquela é uma comunidade que está muito fragilizada pelo desapoio e por vezes do abandono que tem havido em termos de serviços consulares.
Há poucos anos também o ensino da língua portuguesa foi anexado à coordenação do ensino na Inglaterra. Já não tem nada a ver com os Estado Unidos, o que é um disparate, porque é um país que está logo ali ao lado. Não seria preciso atravessar o oceano e a Europa par resolver coisas óbvias e que poderiam ser resolvidas tão facilmente e com menos custos, fazendo a ligação pelos Estados Unidos.

O RIAC (Rede Integrada de Apoio ao Cidadão) criado pelos Açores e implantado junto dos emigrantes açorianos, é um projecto para ter continuidade?
Já temos dois postos do RIAC fora dos Açores, em Fall River, Estados Unidos, e em Toronto, Canadá, porque são os dois maiores centros de concentração de açorianos nesses dois países. O projecto vai ser ampliado, vamos abrir outros postos. As pessoas sentem um grande apoio e tem-nas aproximado muito das Casas dos Açores nessas cidades.
Gostaria de realçar um aspecto no que diz respeito à nossa diplomacia. Ainda há pouco tempo terminei um périplo pelos Estados Unidos e Canadá e eu, que estou ligada às comunidades portuguesas há mais de 20 anos, nunca tinha visto as comunidades tão satisfeitas com os cônsules que temos. Há uma diferença abismal de há 10, 20 anos a esta parte. Diplomatas sensíveis, muito mais próximos da comunidade, tanto no Canadá e Estados Unidos como no Brasil também. Bem merecem este elogio, porque na maior parte das situações, as pessoas estão muito satisfeitas.

Os açorianos formam comunidades integradas. Mas não lhes falta visibilidade política nos países de acolhimento?
As comunidades açorianas estão a afirmar-se cada vez mais, têm presença nos destinos económicos e financeiros dos países, mas nunca tivemos uma postura aguerrida, incisiva. A verdade é que também não temos um país que incuta isso nos nossos emigrantes. Por isso, todo este conjunto de projectos desenvolvidos pelo Governo dos Açores, é muito importante. A sua função é criar essa identidade política, porque nada disso se consegue se a nossa comunidade não tiver uma intervenção política muito maior. 
Por exemplo, em relação às Casas dos Açores, algumas criadas há 40, 50 e 60 anos, estamos a ter uma postura diferente. São espaços excelentes para promovermos a açorianidade, para preservarmos a cultura, mas temos que por os olhos na nova geração. E as Casas dos Açores têm que ter uma selecção de jovens que possam ser os futuros políticos das nossas comunidades. Temos que fazer um exercício completamente diferente hoje em dia. Não basta preservar, queremos as comunidades no presente e no futuro, trabalhando de forma organizada para ir à procura desse potencial que existe nas comunidades, mas acompanhar esses jovens, ajudando na sua formação, dando bolsas de estudo, num exercício propositado. Porque enquanto nos mantivermos apenas bons rapazes e raparigas, muito trabalhadores, mas «invisíveis», não interessa. 

Por onde começar a anular essa «invisibilidade»?
A nossa «invisibilidade» começa por factores básicos. Como país, ainda não conseguimos fazer valer o mais factor de coesão cultural que temos: a língua portuguesa. Chegamos às nossas comunidades e poucos sabem que o português é a quinta língua mais falada em todo o mundo, que é a terceira língua europeia. Continuamos a ter comunidades que pensam que é uma grande conquista ter os filhos a estudar italiano, francês, alemão, línguas que todos os anos perdem falantes. Quando o português é uma língua que todos os anos ganha falantes.
O erro começa logo na incapacidade de aproveitar a língua como uma ferramenta política. Não há uma política de língua. Por exemplo, a política da língua inglesa, da francesa, da alemã, etc, não está desvinculada de uma política económica e financeira, porque com a língua faz-se dinheiro. Nós ainda não conseguimos perceber como a máquina funciona para as outras línguas, e fazer uma campanha de marketing massiva. Nós temos a matéria-prima, mas ainda não conseguimos por os meios e mecanismos para fazer valer aquilo que é nosso por direito.
Por isso temos actividades voltadas para os jovens, para fazer essa aproximação à língua portuguesa e à região dos Açores. Desenvolvemos para o Canadá, Estados Unidos e Uruguai, o programa «Ao colo da língua portuguesa», que iniciamos este ano, através do qual já enviamos centenas de kits para as comunidades e outras centenas serão enviadas num momento específico. Vamos fazer agora o envio de alguns livros infanto-juvenis para creches, jardins-de-infância e escolas que tenham o pré-escolar, em regiões onde há comunidades açorianas. Esse kit, que vaio acompanhado por uma mensagem do presidente do Governo Regional dos Açores, leva também material promocional do arquipélago. Para o Brasil, vamos ter o cuidado de enviar apenas kits de livros que falem dos Açores ou de autores açorianos, porque a língua é a mesma. 

Os descendentes: como levá-los a manterem a ligação aos Açores?
Ainda há muita falta de informação., temos muitas famílias que levam uma imagem desactualizada dos Açores e muitas vezes é essa imagem que passam às novas gerações. Felizmente, temos conseguido captar muita gente jovem para os Açores e o processo começa a ser o inverso: esses jovens vêm cá, vivem experiências maravilhosas e quando regressam junto das suas famílias e amigos, convencem-nos que têm que voltar e a cada ano o grupo de pessoas que vêm em busca das suas raízes é cada vez maior. Estamos a trabalhar num programa que visa chamar a atenção dos jovens casais descendentes para os Açores, mostrando que o Arquipélago é uma terra linda para virem trabalhar, educar os seus filhos, serem felizes. Que é o que fazem muitas comunidades do mundo fora, nós temos neste momento 86 nacionalidades representadas nos Açores e nem toda a gente vem por aspectos ligados à sobrevivência, mas pela qualidade de vida que a região oferece. E temos que passar essa mensagem aos nossos descendentes.

Os açorianos regressados são um grupo preponderante para o Arquipélago?
Claro, e nós temos actividades destinadas apenas aos nossos regressados. Este projecto de captação de casais descendentes para os Açores tem como ponto de partida os regressados, os pais e avós, que os açor-descendentes costumam vir visitar. E os regressados têm uma particularidade: vão para todas as ilhas, temos regressados até no Corvo. Porque regressam à origens, à sua freguesia, renovam as suas casas, trabalham as terras que deixaram quando emigraram. São um pólo local de desenvolvimento importantíssimo.
Baseados no estudo da professora Gilberta Rocha (universidade dos Açores), constatamos que há um universo de cerca de três mil açorianos regressados, o que é muito bom. São modelos vivos, caminhos abertos para outras pessoas seguirem o mesmo percurso. Por isso a Direcção Regional das Comunidades pediu a realização desse estudo, para percebermos que outras actividades poderemos desenvolver para promover essa população e as suas famílias, os amigos e os vizinhos numa caminhada em direcção aos Açores.

Qual é a importância da diáspora açoriana para o arquipélago dos Açores?
É total. Houve uma altura em que os açorianos, seguindo um comportamento nacional, achavam que os seus emigrantes eram aqueles «coitadinhos» que tinham partido e quando vinham de férias traziam os rádios em grande volume. Hoje, essa opinião já não ocorre. As nossas comunidades merecem todo o nosso respeito. É nas nossas comunidades onde vamos beber inspiração, exemplos, experiência para muita coisa que vai acontecendo aqui nos Açores. Como directora Regional das Comunidades ando constantemente neste exercício: vamos lançar agora um site sobre os (emigrantes) notáveis dos Açores; vamos desenvolver a questão do turismo genealógico; em parceria com a Direcção Regional da Ciência e Tecnologia e outros organismos estamos a potenciar um grupo de cientistas, investigadores, empreendedores de todas as áreas do saber para o lançamento do projecto «Prestige» e nesse âmbito vamos já receber pessoas da comunidade açoriana que vêm de Silicon Valley, Califórnia, para trabalhar com empresas dos Açores. 
Aliás, os Açores só se concretizam, só se efectivam, com as suas comunidades. Nós somos 250 mil aqui, mas somos mais e um milhão na nossa diáspora. Isto, dá-nos o sentido da responsabilidade e faz-nos pensar na importância que estas pessoas têm.

MARIA DA GRAÇA CASTANHO

Nascida em 1960, Graça Castanho é detentora de vasto currículo académico. Licenciada em Línguas Modernas Português-Inglês na Universidade dos Açores, fez o mestrado na Lesley University. Realizou o doutoramento na Universidade do Minho com uma tese sobre o Ensino da Leitura através do Currículo e possui um pós-doutoramento, feito na Harvard University, com uma investigação sobre o ensino do Português em Moçambique. Para além da docência exercida na Universidade dos Açores desde 1995, conta com uma carreira profissional pautada por uma vasta experiência em várias áreas de intervenção social, quer em Portugal quer na diáspora. Foi Conselheira para o Ensino Português nos Estados Unidos; primeira Coordenadora do Plano Nacional de Leitura,; vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Ponta Delgada; 
co-fundadora e presidente do Instituto de Educação e Ensino. A sua ligação aos EUA, Bermuda, Canadá, Brasil e países africanos de língua portuguesa tem-lhe permitido contactos a diversos níveis com as populações-alvo da intervenção da Direcção Regional das Comunidades, nomeadamente os emigrantes, imigrantes e regressados. Em 1996 foi a responsável científica pela elaboração do programa de língua e cultura portuguesas a oferecer aos deportados, oriundos dos Estados Unidos e Canadá, tendo em 1997 apresentado uma comunicação em Bruxelas sobre o percurso académico dos deportados açorianos nos países de acolhimento. Autora de literatura 
infanto-juvenil e de livros da especialidade,  é Visiting Post-doctoral Scholar, 
na Harvard Graduate School of Education; formadora de docentes de língua, literatura e cultura portuguesas em Portugal e na diáspora; investigadora da presença açoriana e da língua portuguesa no mundo lusófono; orientadora de teses de mestrado e doutoramento no país e no estrangeiro e docente universitária de licenciaturas e  mestrados.

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