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Lisboa, 27 mar (Lusa) - O êxodo português dos anos 70 para França através dos olhos das crianças que ficaram com os avós é o que propõe "Terra de Chiculate", o primeiro livro de Isabel Mateus inteiramente dedicado à emigração.
Nascida nas Quintas do Corisco, Felgueiras, Torre de Moncorvo, em 1969, Isabel Mateus, hoje professora e escritora a viver no Reino Unido, foi uma das crianças que ficou para trás quando os pais emigraram para França.
"Sofri na pele a emigração. Os meus pais emigraram a salto e eu fui uma das crianças que ficaram. Durante muitos anos há perguntas: porque é que fiquei, porque é que me deixaram, porque é que não posso ir...? Todas estas questões são focadas na primeira parte do livro", disse Isabel Mateus em entrevista à agência Lusa, lembrando a sua "orfandade sem ser orfã".
Passados mais de 20 anos, a escritora propõe um "olhar distanciado" sobre a infância e juventude, tentando explicar e perceber "os sentimentos de criança".
O livro divide-se em três partes. Na primeira, intitulada "Naufrágio", a emigração é abordada na perspetiva das crianças que ficaram ao cuidado dos avós ou de outros familiares e que nada sabem sobre os pais ou o lugar para onde emigraram.
Na segunda, "Viagem(ns)", explica Isabel Mateus, o narrador assume várias vozes (o passador, as crianças que emigraram e voltaram, os idosos) e, na última parte, "Desterro", relata-se o regresso aos lugares da infância e da memória.
A história de Isabel Mateus inspira em grande parte o livro, mas a escritora ouviu testemunhos de outras crianças (hoje adultos) e manteve vários encontros com emigrantes em França.
A escritora diz ainda que fez muita pesquisa, mas escusa-se a considerar "Terra de Chiculate", um estudo sociológico, classificando-o como "literatura de viagens", a sua especialidade.
"A minha abordagem é literária. O livro pretende ter uma estrutura de relato de viagens. Não começo pela viagem, mas pelo "Naufrágio" porque o que sucedeu acabou por ser uma aventura trágica", disse.
Sobre o feedback que começa a receber dos leitores de "Terra de Chiculate", Isabel Mateus sublinha a "novidade da abordagem da emigração na voz da criança".
O livro fala sobretudo de "uma emigração rural, sobretudo de homens", o que é ilustrado na capa pela fotografia de um camponês do fotógrafo francês Gerald Blancourt.
"Vemos a postura nobre do que saiu, daquele que teve capacidade de dizer 'não quero ficar mais em Portugal'. Estávamos debaixo da ditadura de Salazar em que o camponês trabalhava de sol a sol e não tinha uma vida digna", refere Isabel Mateus.
Foi, de resto, uma fotografia da lama em torno dos bairros de lata (bidonvilles) nos subúrbios parisienses, também de Gerald Blancourt, que inspirou parcialmente o título do livro.
"Aquela lama amassada lembra-me sempre chocolate. Por outro lado, para mim França era a terra do chocolate, era de lá que vinham as guloseimas e as roupas e os brinquedos modernos e sofisticados", disse.
Desafiada a fazer um paralelo com a emigração de hoje, Isabel Mateus diz que as circunstâncias mudaram, mas admite que as saídas para França continuam "em força".
"O paralelo que se pode estabelecer é que hoje em Portugal continua a não haver condições para que a população se fixe. Falamos de quadros superiores que saem porque Portugal ainda não está preparado para fixar as pessoas de valor", considerou.
CFF
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