Jornal de Letras Artes e Ideias
Terça-Feira 4 de Janeiro, 2011
Por Luís Ricardo Duarte
Com um pé nos Estados Unidos da América, outro em
Portugal e o coração nos Açores, Onésimo Teotónio Almeida, 64 anos, é
um observador atento da emigração portuguesa para o outro lado do
Atlântico
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E já lá vão 40 anos de estudos, aulas,
conferências e textos. Em O Peso do Hífen, uma edição do ICS, o prof.
catedrático da Brown University reúne uma dezena de ensaios sobre a
experiência luso-americana, traçando o contorno de uma presença
portuguesa na América que se fez de choques, assimilações, aculturações
e exílios. À semelhança da sua ficção - (Sapa)teia Americana, Aventuras
de um Nabogador -, e das suas crónicas - Da vida Quotidiana na
L(USA)lândia, Que Nome é esse, ó Nézimo e Rio Atlântico, este é mais um
contributo para compreensão da diáspora lusitana pelo mundo.
Jornal de Letras: Este livro é o resultado das suas muitas andanças entre os dois lados do Atlântico?
Onésimo Teotónio de Almeida:
É uma coletânea do que julgo serem os meus principais textos (em
português, pois não incluí outros em inglês) sobre temática
luso-americana e que fui escrevendo para situações pontuais nas duas
margens do Atlântico e também no meio (os Açores). São todos sobre esse
mundo híbrido, hifenizado (prefiro dizer "hifenado", mas o "editor"
achou melhor "hifenizado"). As questões de fundo parecem-me centrais no
Portugal de hoje, cada vez mais nesse caminho da hifenização
multicultural. Vão desde o tratamento de questões teóricas que têm a
ver com choques de valores linguísticos e éticos, com a aculturação e
assimilação cultural, mas inclui também ensaios sobre a pretensa
descoberta portuguesa da América, as turbulentas relações entre
Portugal e os EUA por causa da independência dos Açores, a literatura
luso-americana e ainda questões sobre o exílio de figuras como Jorge de
Sena e José Rodrigues Miguéis.
Vê esse oceano como uma ponte, o seu mare nostrum?
Costumo
dizer que o Atlântico é um rio (usei o termo em título de livro de
crónicas). Quando se está na outra margem, vem-se cá volta e meia
durante o dia. As pontes são os aviões, a TV, os telefones, a internet.
E a mente não necessita de pontes. Quando se emigra adulto não nos
arrancamos de um lugar, apenas alargamos fronteiras. Vivo entre duas
margens. De cada uma vejo a outra muito perto. E sinto me bem nas duas.
Estes ensaios falam dessa realidade.
Há nestes ensaios uma mesma preocupação, um denominador comum? Entender os fenómenos resultantes do encontro de culturas, neste caso
da nossa com a norte-americana. Cada capítulo do livro cobre uma ou
mais facetas desse encontro, que na verdade começa por ser um embate,
um choque, por mais politicamente corretos que queiramos ser.
Nos 40 anos que leva a estudar estas temáticas, identifica grandes mudanças nesse encontro? Sim. Os Estados Unidos são uma sociedade estruturalmente aberta à
emigração e, por mais dominante que seja o seu elemento cultural de
base (o anglo-saxónico), sempre a imigração fez parte da identidade do
país. Primeiro através da assimilação imposta, mas agora, há décadas
já, através da integração de diferenças. As comunidades portuguesas
espalhadas pelos Estados Unidos e Canadá têm seguido as pisadas de
outras maiores, como a hispânica (sobretudo nos EUA): têm-se integrado
social e politicamente, que o mesmo é dizer culturalmente (uso o termo
sempre no sentido antropológico). Estas comunidades criam uma segunda
cultura, mistura de duas, e sentem-se dentro e fora de cada uma delas.
Claro que as gerações mais novas vão passando para a segunda e as mais
velhas mantêm uma forte inclinação para a cultura de origem.
Os
portugueses têm fama de se adaptarem bem aos países e às culturas com
que se confrontam. Confirmou essa ideia na sua vivência e nos seus
estudos? Depende. Por um lado, parece que sim. Por outro,
adaptam-se sem se dissolverem. Fazem muito bem a sua vida no meio de
outra maior, por vezes mesmo distraídos da existência dela. Como que
evitam o choque cultural agarrando-se à sua maneira de estar e cedendo
apenas no inevitável. Acho difícil generalizar muito para além disso. O
hífen é a melhor imagem para descrever o mundo cada vez mais
globalizado em que vivemos? Bom, se eu tivesse encontrado outra mais
incisiva, tê-la-ia usado para título. Reconheço, todavia que, depois
dos acesos debates sobre o Acordo Ortográfico, do ponto de vista
português talvez não seja a melhor (refiro-me obviamente à decantada
questão do hífen). Mas o título desta coletânea precede o debate.
Tinha-o em mente há vários anos. Hoje fala-se também muito em hibridez.
Preferi agarrar um termo pouco estragado teoricamente mas que é
decalcado na linguagem comum dos e/imigrantes. O hífen escreve-se
constantemente e nunca é mencionado. Todavia está lá.
Que papel poderá ter essa consciência multicultural no futuro? Pessoas com múltiplas raízes culturais criarão um mundo com menos
conflitos? Sem armar em bruxo, creio que o futuro será mais e mais uma
mistura de culturas. Para bem ou mal nosso e delas. Uma coisa, porém,
são factos, outra juízos de valor sobre eles. Quanto a existirem menos
conflitos, convém aqui ficarmos ao nível das utopias, hoje quase
desaparecidas. Mesmo que não seja verdade isso de "menos conflitos", é
sempre bom pensar assim, pelo menos como ideal. É que, por mais utópico
que ele pareça, as alternativas não são nada róseas.
http://aeiou.visao.pt/um-hifen-que-une-e-multiplica=f584184
RTP Açores, aqui.