Terminada a Grande Guerra, o avô de Aude de Amorim deixou Viseu e foi
viver para França com os filhos. O seu pai, também português, nunca
mais quis voltar. Aude não lhe seguiu as pisadas: nasceu em França, mas
nunca esqueceu as origens. Depois de licenciada, seguiu a carreira
diplomática. Curiosa, aprendeu a língua do avô na faculdade. Passou
pelo Brasil, por Washington e novamente por Paris. Mas foi Portugal que
escolheu como destino para viver. Hoje Aude é cônsul de França no Porto
e não esconde a felicidade com a opção: "Tenho família no Porto, em
Viseu e em Lisboa. Sempre quis voltar."
Portugal é um país de
emigrantes. E muitos dos que partiram em busca de uma vida melhor, nas
décadas de 50, 60 e 70, vingaram lá fora. O avô de Aude de Amorim
começou por ser operário. Aprendeu francês sozinho, guiado apenas pelo
dicionário, e chegou a chefe de equipa: "Um português pode ir para
França e conseguir tudo de melhor para os filhos", admite a cônsul. Mas
também por isso faz questão de "mostrar aos franceses que a realidade
portuguesa é bem mais rica do que eles imaginam".
Na véspera das comemorações do Dia Internacional do Migrante, o i falou com a presidente do Observatório Luso-Descendente, criado a 10 de
Junho, para perceber a realidade das famílias portuguesas que
abandonaram o país nas últimas décadas. Muitos partiram de Portugal a
medo, alguns munidos de malas de cartão. Hoje, diz o Observatório,
regressam os filhos e os netos, altamente qualificados e com
conhecimentos que ficam à disposição do país de origem dos pais e dos
avós.
A própria presidente do Observatório, Emmanuelle Afonso,
é luso-descendente: "Os países de acolhimento deram-lhes oportunidades.
A maioria regressa às origens depois de estudar muito: são qualificados
e as despesas de educação não ficaram a cargo de Portugal", explica.
A
criação do Observatório visa clarificar a integração dos
luso-descendentes. A língua, por exemplo, pode ser uma barreira para
quem quer trabalhar em Portugal: "O português em França é pouco
qualificado. Nós chegamos cá e, ao contrário dos emigrantes, temos de
pagar aulas se quisermos aprender mais", lamenta. É neste tipo de
questões que considera que os Luso-descendentes "são discriminados".
Emmanuelle
Afonso escolheu viver em Portugal no ano em que frequentou o programa
Erasmus. Queria conhecer melhor o lugar de nascimento dos pais. Depois
desse primeiro contacto, não mais regressou a França. Apesar do sucesso
da sua decisão, avisa que ainda há muito trabalho a fazer para
facilitar a integração de quem queira seguir-lhe os passos. "Em
programas de intercâmbio de estudantes, a papelada é tratada no próprio
país. Mas há quem chegue cá e tenha grande dificuldade em ser integrado
ou ter equivalência de diplomas", exemplifica. Obstáculos que, ainda
assim, diz serem insuficientes para que Portugal deixe de ser um
destino para trabalhar. Emmanuelle Afonso conta, aliás, que há muitos
descendestes lusitanos a regressar: "Infelizmente ainda não temos
números oficiais, mas estamos a criar uma base de dados para isso."
O
embaixador de França em Portugal também é oriundo de famílias
portuguesas. Pascal Teixeira da Silva tomou posse em Setembro,
escolhido pelo chefe de Estado francês: "Fui nomeado com base em
critérios específicos. A língua e o conhecimento que tenho do país
também devem ter sido levados em conta", calcula. Ser embaixador em
Portugal "era algo muito desejável. Há razões afectivas e pessoais",
reconhece.
O avô do diplomata deixou Castelo de Paiva, na década
de 30, rumo a França. Em 1933, operário em Bordéus, conseguiu levar a
família para junto dele: "O meu pai tinha cinco anos na altura. Eu já
nasci lá", conta. "Nessa época ainda havia poucos portugueses, por isso
não tivemos contacto, nem com a língua, nem com a cultura portuguesa."
Mesmo assim, o seu pai não esqueceu as raízes e aos 18 anos decidiu
aprender português por correspondência.
Em 1948, com 20 anos,
pegou numa bicicleta, convidou três amigos e veio a Portugal: "Trinta
anos depois, fiz o mesmo, mas preferi vir de carro!", conta o
embaixador. Ficou um mês na casa de um tio- -avô e, seguindo o exemplo
do pai, aprendeu a língua portuguesa, mas na faculdade: "Na secundária
não havia essa opção."
Pascal Teixeira da Silva acha que são
precisas duas gerações para que os níveis socioprofissionais mudem:
"Mas já mudaram. Há de tudo. Tenho muitos colegas de ascendência
portuguesa em cargos administrativos, na área da cultura, com mandatos
nas autarquias ou no Ministério dos Negócios Estrangeiros."
História
diferente é a da gestora de projecto do Observatório Europeu da Droga e
da Toxicodependência, Emmanuelle Martins. Em 1925 o avô, lenhador, foi
de Barcelos para França. Só quando começou a conviver com os filhos de
imigrantes portugueses na escola é que percebeu que tinha nome
português. Depois, a mãe explicou-lhe: "Nessa altura esqueciam-se as
origens. Quando o meu avô passou na alfândega, mudaram-lhe o nome para
francês". O que até ajudou a que fosse integrado na sociedade francesa.
"Além disso vivia-se a ditadura e não podiam estabelecer contacto" com
o país de origem.
Foi depois de saber de onde o seu avô era
natural que desenvolveu curiosidade pela cultura portuguesa. Frequentou
aulas e veio a Portugal procurar família: "Acolheram-me muito bem, mas
aí vi que somos muito diferentes", revela.
Depois de concluir
um MBA em Gestão de Empresas na ESSEC (considerada a sétima melhor
instituição de ensino do mundo), chegou a Portugal definitivamente:
"Estou cá desde 2005. Afinal, aprendi toda a cultura portuguesa com o
meu pai, mas de uma forma diferente. E agora sei de onde vem toda esta
minha atitude de querer mais e andar em frente."
Jornal i, aqui.