A taxa de desemprego entre os jovens mais do que duplica o índice
geral. Entre os que arranjam emprego, só cerca de um terço escapa à
regra dos contratos a termo, recibos verdes e outras formas de
precariedade. Um em cada dez licenciados abandona o país. É o retrato
de uma geração sem saída. Em tempos de greve geral, não espanta que as
centrais sindicais tenham colocado os jovens na primeira linha da luta.
Sendo
Portugal um país com baixa qualificação académica da sua força de
trabalho - e tendo em conta a importância da formação num mundo cada
vez mais competitivo -, o número crescente de licenciados a saírem das
universidades deveria ser uma boa notícia. Mas não é. No actual cenário
de crise, os jovens são os mais prejudicados pela extinção de postos de
trabalho e, entre eles, os que investiram na formação académica são
exactamente os que se deparam com mais portas fechadas.
Elísio
Estanque, professor de Economia e investigador do Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra, considera que este discurso das
centrais sindicais é "ainda mais apropriado pelo facto de o instinto de
sobrevivência e o individualismo criarem junto dos jovens alguma
resistência às formas de luta colectiva". Cabe ao sindicalismo
encontrar "formas de os sensibilizar e mobilizar".
"O
individualismo assume-se em situações de desafogo, quando há
oportunidades. Em situações de crise, isto muda", diz Elísio Estanque,
convicto de que "o individualismo já atingiu o seu ponto de exaustão".
"Acho natural que, por desespero ou consciencialização, os jovens
comecem a organizar-se de outra forma." Nesse sentido, "a recente
invasão pacífica de um call-center pode ser um sinal dos tempos".
Formas
de luta mais imaginativas conseguem tornear as dificuldades colocadas
por um sistema que os impede de "dar a cara de forma explícita". Com
contratos a prazo ou a recibos verdes, não é fácil afrontar a entidade
patronal, para mais numa altura em que se vive um "défice democrático",
na opinião de Elísio Estanque: "Ser sindicalizado é ser criminoso,
diabolizam-se os sindicatos de forma excessiva. E a repressão, o
controlo e o despotismo acabam por privilegiar os medíocres em
detrimento dos mais competentes. A fidelidade é mais importante do que
a competência."
Os melhores estão a sair?
Com
poucos (e maus) empregos à sua espera, não espanta que muitos jovens
optem por deixar o país. O fluxo da emigração atingiu nesta década
valores só comparáveis aos do êxodo dos anos 60 do século passado e os
números só baixaram nos últimos dois anos porque a crise também se faz
sentir lá fora. Rui Pena Pires, sociólogo e professor do Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, fala em
60.000 saídas por ano - eram à volta de 70.000 na década de 1960. Os
números são diferentes, no entanto, porque antigamente "quase ninguém
regressava no curto prazo e agora a mobilidade é maior".
"Ainda
não há estatísticas por idade, só daqui a uns seis meses. Mas a
emigração concentra-se na população activa jovem... Por dedução,
pensamos serem esses os que estão a sair", explica o coordenador do
projecto de investigação Atlas das Migrações. Quando chegarem,
os números tratarão de confirmar o sentimento geral. "Todos nós
conhecemos gente que saiu recentemente de Portugal. Os meus dois
filhos, por exemplo, estão fora do país."
Mais preparados, em
muitos casos até com relacionamentos cultivados em programas de
intercâmbio estudantil, os licenciados estão na primeira fila dos que
olham para lá das fronteiras. O mercado de trabalho é global. O Banco
Mundial calculou que um quinto dos licenciados portugueses vive fora do
país e uma afinação dos números aponta para um dado ainda mais
significativo: um em cada dez (11 por cento) licenciados tira o
"canudo" por cá, antes de emigrar.
"Não é um número terrível.
No Reino Unido, são 10 por cento os recém-licenciados que emigram. Mas,
lá, as entradas de pessoas com qualificações universitárias mais do que
compensam este fluxo. Em Portugal, não", analisa Rui Pena Pires. Ou
seja, neste momento, Portugal é um exportador de cérebros. Alguns saem
porque as suas carreiras (na investigação científica ou em
multinacionais, por exemplo) apontam nessa direcção. A maior parte sai
porque não tem perspectivas de futuro. "Temos de contar com as gerações
que estão a chegar, se queremos que a economia seja competitiva, que as
pessoas se sintam seguras, que a democracia floresça", lembra Elísio
Estanque. "Mas, pelos indícios que temos, os mais qualificados, os mais
competentes, são os mais ousados e os que assumem o risco de ir para
fora...""É preciso alargar horizontes"
Bruno Cea, 24 anos, licenciado em Negócios Internacionais (Universidade do Minho)
Aconteceu
a Bruno o que tantas vezes acontece a quem procura uma saída:
apareceram-lhe duas. Há cinco meses, entre uma "boa proposta" de
estágio numa empresa e a "oportunidade única" de estagiar no Ministério
dos Negócios Estrangeiros (MNE), escolheu a segunda. "As oportunidades
aparecem; é preciso é estarmos prontos para as agarrar."
Terminada
a licenciatura, trabalhou num restaurante e foi a Angola, onde percebeu
que há "boas oportunidades" mas a prioridade é dada "a jovens quadros
angolanos". Regressou a Barcelos e começou a procurar trabalho. "O
mercado pede coisas a um recém-licenciado, como "três anos de
experiência"..."
Agora está em Lisboa e foi "muito bem recebido"
no MNE, onde está apostado em "desenvolver competências". Bruno diz que
"é preciso alargar horizontes", sejam eles geográficos ("Não podemos
confinar-nos ao mercado doméstico") ou intelectuais ("Tudo o que
aprendemos faz-nos crescer enquanto pessoas.")
A "precariedade,
o desemprego, o custo de vida, as propinas elevadas e as práticas em
algumas empresas" justificam o descontentamento das pessoas e elas têm
o direito de se manifestar. Mas Bruno acha que a greve não é a melhor
solução: "O que é importante para os jovens é que se aposte em dar-lhes
competências."
"Gostava que a greve tivesse efeito"
Miguel Paisana, 24 anos, 12.º ano
Miguel
está a trabalhar na hotelaria. Mas, apesar de este ser o seu "primeiro
emprego a sério", não é coisa para durar. "É temporário, uma maneira de
ganhar algum dinheiro, até porque esta não é a minha área... O que
gostava mesmo era de encontrar alguma coisa na área da saúde."
Tal
como ele, a maior parte dos seus amigos não consegue fixar-se num
emprego estável. "Andam em trabalhos temporários, call-centers, coisas
assim. Estão sempre a mudar, anda toda a gente na mesma situação. Sem
curso é muito difícil. Mesmo com curso..." Ele não foi para a
universidade e até aproveitou para ir experimentando algumas
actividades enquanto estudava. Coisas variadas, "mas só de um/dois
dias, uma semana", ao serviço de uma empresa de eventos.
Ficaram
as experiências, mas o que o move realmente é a vontade de encontrar
uma oportunidade para poder trabalhar na área da saúde. E também uma
pequena esperança de que as coisas mudem: "A minha opinião é que as
greves não têm grande impacto. Mas gostava que esta tivesse efeito."
"Prefiro sair do que ficar frustrada"
Filipa Paciência, 24 anos, licenciada em Biologia (Universidade de Évora)
Filipa
não é politicamente activa e até se classifica como "descrente": "É do
tipo "são todos iguais"... Voto sempre na oposição, para ver se mudo
alguma coisa." Mas exerce a sua cidadania sempre que pode. "Já andei a
recolher assinaturas para petições, contra as touradas, contra a
utilização de peles. Também tenho apoiado coisas pela Internet. Não se
pode fazer muito, mas ajuda-se sempre."
Desta vez, ela assiste
de fora. Em tempos de greve geral, está em Bilbau, onde procura vaga
para um estágio de seis meses no âmbito do programa Leonardo da Vinci.
"Se estivesse aí, aderia! São acções necessárias, nem que seja para
chamar a atenção. É claro que podem dizer: "Falas muito e depois não
ajudas o país!" Mas eu prefiro sair do que estar à espera, eternamente
a lutar, e a ficar frustrada."Não foi apenas a falta de oportunidades a
empurrá-la para fora do país. A possibilidade de melhorar os
conhecimentos na língua espanhola, o gosto por viajar e conhecer
pessoas diferentes e também o facto de "pagarem mais" pesaram na
escolha de Filipa. Fez a mala e partiu. A família já estava
mentalizada. "Antes de Bilbau, tinha pensado em Buenos Aires, por isso
até ficaram aliviados!"
"Se quero ser independente, tenho de emigrar"
Rodrigo Gaspar, 24 anos, licenciado em Arquitectura (Universidade Autónoma)
Rodrigo vai, em breve, ter uma entrevista de trabalho. Na Suíça. "Numa low-cost não sai assim tão caro... E há soluções para passar a noite sem gastar
quase nada." É preciso fazer contas, mas esta pode ser uma oportunidade
rara: apesar de estar a cumprir o estágio em Portugal, ele já se
convenceu que o futuro deverá passar pela emigração.
"Encaro
isso como uma necessidade. Estou na fase em que quero ser independente,
sair de casa dos pais. Cá é impossível. Emigrar torna isso possível,
dá-nos experiência. É preciso ter estofo, mas acho que uma mente aberta
ajuda." Para ele, essencial mesmo é terminar o estágio, única forma de
ser reconhecido pela Ordem dos Arquitectos. Depois, bom, as notícias
não são as melhores: "O sector da construção está a lutar pela
sobrevivência e os ateliers de arquitectura estão todos aflitos."
Não
é só na arquitectura que as coisas estão más. "Consigo fazer uma lista
enorme de gente que quer sair. Alguns foram mesmo para fora antes de
acabarem o curso. Dos meus amigos, talvez só os advogados se estejam a
safar..." E assim chegamos à greve geral: "Gostava de aderir, mas
perdia um dia de trabalho... Se a greve for maciça, pode ser que mande
uma mensagem aos políticos."
Público, aqui.