por Sílvia Caneco
John Enos, um homem
"alto, escuro e carrancudo", mais conhecido por "Portuguese Joe", era o
bicho-papão nas terras áridas do Big Bend Country, na zona oriental de
Washington, nos EUA. Quando as mães precisavam de assustar as crianças
ameaçavam: "Se não te portares bem, vem aí o Portuguese Joe." Quase um
século depois da sua morte, ainda se diz que John Enos odiava os índios
e envenenou três com feijão estragado, enterrou os três no pasto,
juntamente com dois vaqueiros, era ladrão de cavalos ou um assassino
com 25 marcas no cano da pistola.
O nome real de John Enos era, na verdade, João Ignácio d''Oliveira.
Nascido na ilha de São Jorge, nos Açores, destacou- -se como um dos
maiores criadores de gado da história do estado de Washington. No fim
do século xix, quase 22 500 portugueses viviam na zona nordeste dos
EUA, 90% deles no Massachusetts e em Rhode Island. A grande maioria -
99% - dos imigrantes portugueses vinha das ilhas dos Açores e da
Madeira, a ponto de a Califórnia ficar conhecida como "a décima ilha
dos Açores". O trabalho nos baleeiros americanos era a principal porta
de entrada, a corrida ao ouro o mais tentador. A aventura nos mares
soava a promessa de mais cedo ou mais tarde pisar a América prometida.
Os historiadores americanos Donald Warrin e Geoffrey L. Gomes
investigaram durante 15 anos a presença portuguesa no Oeste dos EUA.
Depois de consultas dos censos da época e de entrevistas a descendentes
de portugueses, conseguiram descrever em "Os Portugueses no Faroeste:
Terra a Perder de Vista" quem era, de onde vinha e o que fazia esse
grupo restrito de portugueses que escolheu emigrar para aquele
território.
Quem eram? Houve heróis, dramaturgos, políticos,
homens de negócios, mulheres responsáveis pela contabilidade dos
negócios dos maridos e de charuto na boca, numa atitude vanguardista
para a época. Houve quem se tornasse empresário de sucesso em ramos
inverosímeis como a produção de "tamales" - especialidade nunca usada
na gastronomia portuguesa -, o comércio de peles ou a exploração
mineira. Outros, pastores de profissão, conseguiram, com salários que
não iam além dos 25 dólares por mês, poupar o suficiente para investir
em rebanhos que ultrapassaram as 30 mil cabeças.
Mais de 60%
não sabiam assinar o próprio nome, mas isso não os impediu de fazer
fortuna ou de ser bem-sucedidos. "Naturalmente poupados", quase todos
arrecadavam dinheiro, ora para comprar uma fazenda, ora para montar um
negócio. O açoriano Manuel Lewis (anteriormente Manuel Luiz), por
exemplo, começou com um rebanho de 2 mil animais comprado a crédito e
chegou a ter o rebanho mais numeroso a sul de Central Valley - 32 mil
ovelhas. John Enos - que progrediu de marinheiro a rancheiro e
negociante de propriedades - nunca aprendeu a ler nem a escrever; só no
final da vida aprendeu a assinar o nome, mas diz-se que "ninguém era
capaz de o ler a não ser ele mesmo".
Thomé Luiz de Freitas,
açoriano da ilha das Flores, foi o primeiro dramaturgo do Idaho.
Antonio Joseph, filho de português nascido em São Miguel, foi o
primeiro luso-americano no Congresso: esteve dez anos como delegado do
Novo México à Câmara dos Representantes dos EUA. E os Joe tornaram-se
figuras omnipresentes nas fronteiras do Oeste: Joe era a alcunha mais
utilizada entre os cidadãos lusos, devido a tantos dos seus nomes -
José, João ou Joaquim - começarem por Jo.
Os heróis e os
vilões John "Portuguese" Phillips ficou na cabeça dos americanos como o
homem que salvou da morte uma guarnição militar na fronteira do
Wyoming. Nasceu na ilha do Pico, nos Açores, e não se sabe em que
altura o seu nome passou de Manuel Filipe a John Phillips. Depois de 79
soldados e dois civis terem sido mortos numa batalha contra os índios,
o português "seco e rijo, de pequena estatura" esgueirou-se do forte e
percorreu a cavalo 320 quilómetros debaixo de um pesado nevão. John,
que já tinha encontrado um amigo nu com 105 flechas cravadas no corpo,
foi o primeiro a oferecer-se para levar uma mensagem ao comandante de
Fort Laramie a pedir reforços. Em troca recebeu 300 dólares (o
equivalente a 3 mil dólares hoje) e o rótulo de "herói da fronteira do
Wyoming".
Já Manuel S. Brazil, natural de São Jorge,
experimentou a fama de vilão por ter denunciado Billy the Kid, o mais
famoso fora-da-lei de todo o Oeste, que uns viam como herói, outros
como bandido. O criador de gado português comprou um rancho por 400
dólares e Billy the Kid - que já era procurado pela justiça por
assassínio e roubo de gado e cavalos mas continuava a circular
livremente pelo condado de Lincoln - testemunhou o contrato.
O
foragido e o português eram amigos, mas na hora H foi John Phillips a
explicar ao xerife que andava no encalço do criminoso qual o rasto de
Billy the Kid e da sua quadrilha. Em 1881, Kid foi condenado a morrer
na forca mas escapou da cadeia depois de matar dois guardas. O xerife
voltou a procurar Manuel Brazil na tentativa de obter informações sobre
Kid, mas Brazil já estava em paradeiro incerto. Lá ficou até Billy the
Kid morrer, temendo a vingança do mais célebre foragido do Oeste
Americano.
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