Há um novo fluxo migratório de portugueses para o outro lado do Atlântico. São gestores, consultores, actrizes, economistas, pesquisadores, estagiários. Uns, já com um português mais adocicado, vieram para ficar. Outros à espera do momento certo para voltar às origens. Estão a mudar a imagem de uma certa ideia de portugalidade «retrógada» entranhada no imaginário brasileiro para a de um Portugal «sofisticado»
1. Virar a página
No jogo Portugal-Brasil, no último Mundial de Futebol, o Alfredo estava inquieto. Minutos antes do desafio, a TV Globo mostrou uma reportagem da Casa de Portugal, em São Paulo. Cenário: Acordeão e pipas de vinho, elas de rosto rubro, algum ouro pendente ao peito, a dançar o vira, xailes folclóricos; eles de bigode e chapéu preto.
Viria a pergunta do jornalista para um português:
? Então o que vai comer-se hoje aqui, enquanto se assiste ao jogo?
? Bacalhau, claro! E muito vinho!
[Mais um pouco de vira. Xailes dançantes. Eles no acordeão]
? Ora pois!, terminava o repórter, prolongando o «esse» final e imitando um português de Portugal.
Rebobinámos o filme: sempre que há algum acontecimento sobre Portugal no Brasil, o cenário descrito serve de cliché para falar de portugalidade. «Não pode ser», indignava-se Alfredo. «Portugal também é tradição, claro, que é muito importante valorizar, mas não é só isso. Não podemos passar só essa imagem que é recorrentemente explorada pelos média brasileiros como se essa fosse a síntese do nosso país.»
Loquaz, Alfredo Rebelo, 36 anos, consultor da multinacional portuguesa Market Access, em São Paulo, acentuaria depois: «A nova geração de portugueses no Brasil tem a responsabilidade de mostrar o Portugal actual: moderno, tecnológico», com mão-de-obra e cérebros competitivos.
Há dois anos permanente na cidade que nunca dorme, o bracarense Alfredo é também desde há pouco tempo brasileiro. A mãe é de Manaus. O pai é português. Por isso ele cruza, desde cedo, o Atlântico. Esteve à espera do «momento certo» para fazer as malas de vez e assentar os pés na capital dos negócios latino-americanos, Sampa.
Experiências «profissional e académica aliadas ao conhecimento do mercado» abriram-lhe as portas estratégicas. Mais do que estar informado sobre a realidade brasileira, realça, «importa conhecer as particularidades do Brasil». Abre o livro sobre um traço da personalidade brasileira: a soma da cultura empresarial «descontraída» a padrões de pensamento de optimismo iguala «informalidade nos negócios». Diferente de Portugal, compara. «Um dos erros recorrentes das empresas portuguesas no Brasil é pensar que pelo facto de falarmos a mesma língua as culturas de trabalho e de mercado são a mesma.» Equívocos que podem inviabilizar o negócio, avisa.
Hoje, a equipa cresceu. Tem vários projectos em curso. O leque abre-se versátil: tecnologia, inovação, novos negócios. A origem portuguesa deu-lhe uma ajuda. Se por um lado, nota Alfredo, a maioria dos portugueses que chegaram nas décadas de 1950 e 60 ao Brasil, motivados pelo clima de opressão salazarista e à procura de melhores condições de vida, «não acompanharam a evolução de Portugal», por outro deixaram um legado importante. «São tidos como gente muito séria e trabalhadora, o que ajuda na credibilidade dos negócios.»
2. Imigrantes - Nova e antiga geração
A economista Carolina Lousinha, 31 anos, é, de certa forma, herdeira dessa geração. O avô veio para o Brasil na década de 1920. Fixou-se durante sessenta anos. Os pais acabaram por passar por aqui na década de 1970 e, por um acaso, acabou por nascer brasileira. O evidente sotaque de Viana do Castelo, onde passou grande parte da adolescência, não engana. Um tiro de sorte, reconhece, pois hoje a dupla nacionalidade facilitou-lhe a permanência no Brasil.
A burocracia com vistos de trabalho ainda continua a ser uma dor de cabeça para os portugueses que vêm para cá, cujo perfil, realça, é bem diferente do da época do avô. «Hoje as regras de mercado são outras e com o proteccionismo que existe no mercado brasileiro de trabalho, qualquer estrangeiro necessita de ter qualificações técnicas específicas ou grande experiência.» Em geral, assumem «cargos de direcção».
Carolina foi para Portugal com 2 anos. Mas, em 2003, outro rasgo do acaso empurrá-la-ia para terras de Vera Cruz. O Programa Contacto, tutelado pelo precursor da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), que recruta jovens licenciados para uma experiência de trabalho internacional, fixou-a por nove meses na capital paulista. Soube-lhe a pouco. Um ano depois, um contrato de trabalho concretizaria o desejo de regressar.
Sente-se «acarinhada» pelos irmãos desse «português mais doce» e nota que «os brasileiros aprenderam a desconstruir o estereótipo do português "atrasado"». «Portugal já é visto como um país mais moderno, mais atractivo, e como um possível destino de férias. Isso é muito positivo para nós.» Por enquanto, a economista não pensa em regressar, pois o Brasil está «a atravessar um momento de prosperidade».
Ligado à anterior geração de portugueses no Brasil, por quem tem uma grande admiração, João Ribeiro Costa, 31 anos, director executivo da Bascol Brasil - Incorporação Imobiliária, em Curitiba, destaca os pontos a favor da nova fornada lusa em relação aos «compatriotas do passado». «Quantidade de informação disponível e as condições de vida que temos no presente, que facilitaram imensamente a missão.»
Mudou o endereço há quatro anos, por questões pessoais e por um desafio profissional: trabalhar num dos mais prestigiados escritórios de advocacia do mundo: Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados e a Mattos Filho Advogados. O azimute profissional mudou-lhe, há um ano, as coordenadas para o mundo da gestão. Não pensa na hora de regressar às origens. Prefere pensar na intensidade dessa vivência, neste «mercado exigente».
«Quem quer trabalhar, tem aqui excelentes oportunidades, mas precisa de provar o que vale. Uma amiga brasileira do meu avô disse-nos sempre: "O Brasil dá tudo, mas quer tudo da gente também".»
3. A vida no gerúndio
E o que é isso de «dar tudo e querer tudo da gente»? A actriz Tânia Reis, de 34 anos, mudou a vida aos 31 à procura de «renovação profissional». Queria conhecer «outros métodos de actuação, outras formas de encarar o teatro e a profissão». Um curso com forte vertente na área televisiva, em São Paulo, pareceu-lhe o passaporte que precisaria para se enquadrar no mercado de trabalho.
Reconhece que tem aprendido intensamente. «Esta cidade não pára, tem uma oferta inacreditável: por exemplo, mensalmente, há duzentas peças em cartaz, fora as exposições, espectáculos de dança.» Para quem vive da arte, esta é «uma cidade que impõe a criação». Salienta, no entanto, a proeminência do «eixo Rio de Janeiro-Sampa», em que está concentrada a maioria dos negócios. E onde há uma maior comunidade portuguesa, aliás uma das mais significativas de Portugal no Brasil.
O próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem números exactos da população portuguesa por aqui, mas dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2006, dão conta: há quatrocentos mil em São Paulo; seiscentos mil no Rio. Depois, há seiscentas empresas portuguesas registadas.
Se no início Tânia, tripeira de gema, esteve na dúvida onde abrir as malas, e tenha acabado por escolher São Paulo, a médio prazo, admite, vai tirá-las do armário, com destino à outra ponta do eixo: para que a Globo fique mais perto. Por agora, diz, a relação de amor com o Brasil está sem data por expirar.
Já para a também actriz Sophia Vilhena, o Brasil foi um acaso. Teve pouco tempo para decidir, embora a tropicalidade sempre a tenha atraído, «tanto pela beleza natural como pela cultura». No campo profissional, optou por «aprender a falar português com sotaque brasileiro, sem perder as origens». Veredicto: «Facilitou tanto o relacionamento interpessoal como me possibilitou uma melhor integração no meio teatral», assegura. Pausa: uma adversativa no meio dessa integração. «Tendo em conta a metrópole que é São Paulo, um desafio sempre presente é a criação de fortes laços de amizade.»
E se o Brasil actualmente continua a ser paradigma das artes cénicas, o da comunicação vem também como anexo clássico. Hugo Veiga, publicitário, 30 anos. Tem o tom de voz afinado para o sotaque do Porto, embora o ligeiro oscilar da voz e o uso dos gerúndios denunciem que já anda em terras de Machado de Assis há algum tempo. Cinco anos.
Começou com um estágio na prestigiada agência de publicidade Ogilvy. Voltou para Portugal com um brilhozinho nos olhos. A experiência pareceu-lhe apenas uma degustação. Voltou para a McCann. Anos depois, a Ogilvy meteu-se de novo no meio do caminho. É lá que queima as pestanas desde então.
«O mercado publicitário brasileiro é um dos mais conceituados a nível criativo no mundo. Por exemplo, nos últimos dois anos, as agências mais premiadas no festival de Cannes foram brasileiras.» Mercado agressivo, concorrencial. «Existem muitos profissionais bons para poucas vagas. Isso incentiva o rigor e a procura da excelência no trabalho. Mas o ambiente vivido na agência, apesar de tudo, é descontraído.» Quanto ao endereço fixo para os próximos anos? O gerúndio, de novo: «Vou ficando.»
4. Motivações, um Brasil «esquentado»
Foi o que aconteceu a António Vilela, 27 anos. Foi ficando. Rebobinar o curto filme da sua vida: 2003, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa, queria fazer Erasmus. Foi de férias para a cidade da moça de corpo dourado do sol de Ipanema. Amor à primeira vista com a urbanidade carioca, com as gentes, com um pedaço de Brasil.
Concluiu lá a faculdade. O ciclo tornou-se vicioso: estágio durante o curso, contrato de trabalho, MBA. Seis anos no Rio. E agora tem nova chave de casa: uma proposta em Telecomunicações em SP. Trabalha na Oi, empresa onde a PT iniciou recentemente uma participação.
Nunca trabalhou em Portugal. Não tem planos de regressar tão cedo. «O mercado interno está muito aquecido e em franco crescimento. Vejo o povo brasileiro como um povo muito empreendedor e activo, principalmente em SP, onde o estado representa sessenta por cento do PIB nacional.»
Raciocínio lógico: mercado «esquentado», crescimento das empresas, procura por mão-de-obra qualificada e especializada. Resume: «O potencial deste país continua grande e vive, no momento, um excelente período económico e financeiro, mas carente de infra-estruturas e apoio ao sector privado.»
Nas entrelinhas, uma espécie de adágio popular: num país em desenvolvimento, quem tem canudo é rei.
Factos económicos: nos últimos dois anos, o Brasil passou a contar com 95 milhões de consumidores de classe média.
Dizem recentes dados da Fundação Getúlio Vargas que o fosso social entre ricos e pobres está a esbater-se. Este facto, aliado ao crescimento económico, está a transformar o Brasil numa das principais economias do mundo, dava conta, no final do ano passado, um artigo da prestigiada revista britânica Economist(«Brazil takes off»: «O Brasil levanta voo»).
«Os eventos internacionais dos próximos anos, Mundial de Futebol, Jogos Olímpicos e possivelmente exposição universal em 2020 estão a fazer deste país um verdadeiro estaleiro a céu aberto», enfatiza Alfredo Rebelo. E, apesar de terem sido criados mais de dois milhões de empregos formais no último ano, «o Brasil tem uma grande carência de quadros superiores especializados, principalmente na área da engenharia».
Segundo dados actuais, o Brasil vai precisar de contratar 170 mil engenheiros estrangeiros nos próximos quatro anos. Mas o país tem um grande calcanhar de Aquiles, ainda herdado da tradição portuguesa de forma amplificada: burocracia.
A investigadora Sofia Marques Silva, que veio para o Brasil «sem pensar muito», diz ficar desconcertada com o peso burocrático. Nesse cenário, a «agravante» de ser estrangeira já lhe dificultou a vida alguma vezes: dificuldades no registo de telemóvel pré-pago, alugar apartamento, por exemplo. Tem 28 anos. É doutoranda em Biologia/Genética no Laboratório de Biologia Evolutiva e Conservação dos Vertebrados da Universidade de São Paulo. O plano de ficar no Brasil? Para já, resposta pragmática: «Terminar o doutoramento.» Quatro anos pela frente.
Outros planos são ainda uma incógnita. «Ora penso continuar por cá, porque trabalhar aqui é estimulante, ora penso voltar para Portugal, porque apesar de tudo lá é a minha casa.» Uma certa ambiguidade emigrante: a vida divida em dois países. «Pelo que percebo, aqui há mais oportunidades de emprego na minha área. Há ainda vários concursos para o lugar de professor nas universidades públicas. Por outro lado, as pessoas são mais comunicativas, trocam-se impressões e geram-se boas ideias mais facilmente.»
5. Portugal-Brasil, problema de expressão?
Laboratório de ideias é, para esta nova geração de portugueses no Brasil, a síntese natural para explicar parte do que é que este país tem de «tão sedutor». A designer Andreia Marques, 28 anos, estagiária do programa Inov-Art da AICEP, no Instituto Elos, em Santos, especifica. «O Brasil tem uma abordagem à arte, design e arquitectura que é muito desafiadora e construtiva, e que tenta superar-se criativamente: utilizada da forma certa é surpreendente.» Não quer pensar, para já, se fica ou se volta. Não é importante. Tem tempo para digerir este seu Brasil até Março.
Alfredo Rebelo estende a explicação dessa «criatividade» brasileira para o dia-a-dia. Os brasileiros têm «uma forma muito própria de olhar a vida: mesmo nos momentos difíceis conseguem refugiar-se num optimismo extraordinário, o que os leva com mais facilidade ao sucesso».
E se os portugas, ou tugas, como são afectuosamente chamados por aqui, são bem acolhidos - uma espécie de primos afastados que se reencontram - continuam, porém, a não se livrar de algumas piadas sobre portugalidade. Além de confrontados com um constante «Oi» - que é como quem diz, em português de Portugal: «Como? Não percebi.»
Portugueses e brasileiros. Fala-se português em ambos os países: certo, até aí tudo bem, mas na prática há «muitas particularidades». Equívocos da língua. Basta uma vogal mais aberta ou fechada para que as palavras pareçam mais doces ou imperceptíveis.
«O meu grande desafio inicial, por incrível que possa parecer, foi a questão da língua», relembra Carolina Lousinha, «o brasileiro tem ainda uma grande dificuldade em entender o português de Portugal». Sofia Marques Silva destaca também essa barreira. Tenta contorná-la. «Apesar de dizer as palavras brasileiras e usar as suas expressões mantenho o sotaque, a marca de que sou de Portugal.»
Tal como as antigas gerações que por aqui, na sua grande maioria, mantêm a sonoridade da terrinha, apesar de alguns nunca mais lá terem voltado. Um laço afectivo.
Tânia ensaia uma hipótese sobre esse eventual problema de expressão. «O contacto mantido entre Portugal/Brasil é ainda, unilateral. Nós consumimos muito do que o Brasil tem para oferecer, e eles pouco ou nada têm sorvido da nossa cultura.» Tendência, admite: essa situação está em «franca mudança».
No passado, o português no Brasil era estereotipado, em geral, como o Joaquim ou o Manel da padaria, conotado como um homem de pouca instrução, porém trabalhador. Quanto à Maria, o bigode continua a ser cliché. Mas está a mudar. «Graças à nova geração», repara a bancária do Banif Investment Bank em SP, Dulce Mendonça, «o português já é visto como europeu». Tradução: significa «culto, instruído e sofisticado».
Dulce, 32 anos, vai ser mãe em Dezembro. Por aqui, sente-se em casa, apesar da imensa saudade de Portugal. Viveu já em Londres durante quatro anos. Há dois decidiu, com o marido, Luís Henriques, começar do zero no Brasil. Uma decisão «lógica», assegura: enquanto a Europa entrava em recessão, o Brasil bafejava prosperidade para dar e vender. O desafio vislumbrava-se facilitado. «O brasileiro acolhe bem o português. É inquestionável a empatia e a cumplicidade que existe. É quase como se houvesse uma relação de sangue entre cada português e cada brasileiro.»
Para o director da Brisa no Brasil, Manuel Bissaya Barreto, 35 anos, apesar das diferenças na cultura de trabalho, «o brasileiro gosta de trabalhar com o português, de partilhar conhecimentos e de que estejamos a investir no seu país». Fala de algumas marcas que a história da presença portuguesa, no Brasil, deixou, e que estão ainda no imaginário brasileiro, como a colonização. Mas adiciona um bónus positivo a isso. Quando alguém percebe que ele é português, relembra a ascendência lusitana. O avô, o pai, a mãe, a bisavó. Mais especificamente de Trás-os-Montes.
Hugo Veiga graceja com a situação («coisa de publicitário»): «Gostava de saber o que aconteceu em Trás-os-Montes no século XX. Oitenta por cento dos luso-brasileiros são na verdade luso-transmontanos.»
6. Voltar?
E há muita diferença na forma de trabalhar de um lado ou outro do Atlântico? Dulce analisa. «Não são melhores nem piores - são diferentes apenas.» Por exemplo? Uma «vantagem», nota Carolina Lousinha. A ausência de títulos como «doutor e senhor engenheiro», que torna os negócios mais eficientes. Depois a leveza. «Os brasileiros são bem mais tranquilos para lidar com os desafios. Comparando com Portugal, é menos stressante», reconhece.
Desafio foi a palavra-chave que levou Luís Barroso a «tropeçar no Brasil». O agora gerente comercial da empresa francesa do sector eléctrico, Dalkia, tinha-se colocado à disposição para ir para a Argentina. Queria aprender espanhol. Como falava português e o Brasil «prometia», a empresa mudou-lhe a rota. Adaptou-se «bem». Fala em equilíbrio entre trabalho e lazer pela riqueza natural do país.
Quanto à cultura de trabalho, desmistifica. «É bem característica; tem de ser respeitada, começando pela forma de conduzir processos até ao jeitinho brasileiro que, recorrentemente, fica no limiar de fronteiras da ética e respeito.»
Dulce admite que, por isso, às vezes é preciso respirar fundo, subtilmente, para manter longe uma certa irritação. «Os desafios no Brasil são uma meia dúzia, que nos atrapalham desde do dia em que chegamos até ao dia em que vamos embora.» Eles não se vencem, condescende. «Apenas aprendemos a viver (ou ir vivendo) com eles: o trânsito, a distância de Portugal - e respectivo custo elevado da viagem - a falta de segurança, a poluição (em SP) e o jeitinho brasileiro, que podia ser chamado de corrupção ligeira, que aos poucos vai-se entendendo mas que não deixa de surpreender a cada dia.»
Para ela, outras das surpresas é a dificuldade que um português tem em trabalhar no Brasil e cujas relações de «país irmão» são, a priori, «privilegiadas». Muitos acabam por vir como turistas até que saia o visto definitivo - e que pode ser uma crónica enxaqueca.
No fim do ano, ela está a pensar em voltar a Portugal. «Como emigrantes de uma nova geração penso que já não ganhamos raízes nos lugares para onde vamos, como acontecia nos anos de 1960/1970 com a emigração portuguesa.» Luís também está a pensar em regressar, quem sabe depois para dar o salto para um MBA nos EUA. Manuel Bissaya Barreto está na mesma bagagem.
Ficar, ir ou voltar. Não importa. O essencial, admitem, é que este fluxo contínuo, cruzando o Atlântico, está a mudar a imagem de Portugal no Brasil.
Equívocos da Língua (PT/BRA)
Apanhar o autocarro ? Pegar o ônibus
Ficar com ? Significa curtir
É do lado ? Não é propriamente logo ali, significa perto, uns quarteirões
Então - Se alguém ouvir isto pode esperar o seguinte: houve um problema e não se consegue resolver, vai ficar para depois
Band-aid - Penso rápido
Absorvente - Penso higiénico
Hidrante - Extintor
Banheiro - WC
Bala - Rebuçado
Legal e bacana - Fixe e giro
Piriguete - Mulher atrevida
Homem-galinha - Mulherengo
Camisola - No Brasil é vestuário para dormir, o equivalente é camiseta
Cueca - Termo para falar de roupa interior exclusivamente masculina, a da mulher chama-se calcinha
Moleton - Sweat-shirt
Durex - No Brasil é o equivalente para fita-cola, em Portugal é marca de preservativos
Média - Meia-de-leite
Presunto - Fiambre
Misto quente - Tosta Mista
Café Pingado - Pingo
Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) - Bilhete de Identidade de Estrangeiro
Registro geral (RG) ou Carteira de Identidade - BI português
CPF - Número de Contribuinte
Facturação - Facturamento
Escovar os dentes - Lavar os dentes
Fazer escova - Alisar/desfrisar o cabelo
Descarga - Autoclismo
Esmalte - Verniz
Condicionador - Amaciador
Balada - Discoteca
Boteco - Tasco, botequim
Trem - Comboio
Propina - Suborno
Aeromoça - Hospedeira
Açougue - Talho
Xerox - Fotocopiadora
Torcida - Claque
Chope - Espécie de fino/imperial
Viajou na Maionese - Divagou
Geladeira - Frigorífico
Marrom - Castanho
Pedágio - Portagem
Barbeiro - Azelha, mau condutor
Dirigir - Conduzir
Patricinha/mauricinho - Betinho/betinha
Fofocar - Falar mal de alguém
Celular - Telemóvel
CEP - Código postal
Colar nas Provas - Fazer cábulas
Asfalto - Alcatrão
Goleiro - Guarda-redes
Grampeador - Agrafador
Resfriado - Constipação
Concreto - Betão
Freio - Travão do carro
Viva-voz - Mãos livres no carro
Fusca - Carocha
Xícara - Chávena
Suco - Sumo
Ténis - Sapatilhas
Sapatilhas - Sabrinas
Piadas de portugueses, Ora Pois!
1. Sabe porque é que um português usa o lápis atrás da orelha?
- Para fazer contas de cabeça
2. O Manuel era muito rico, tinha muitas padarias e gostava da Maria, então ele foi falar com ela:
- Ó Maria, se você adivinhar o número exacto de padarias que eu tenho dou-te uma e fico com a outra!
3. Você sabe que o computador, em qualquer lugar do mundo, tem memória. Menos em Portugal. Lá, o computador tem uma vaga lembrança.
4. Porque tem o português tem um bolso de plástico? ?
- Para guardar o salário líquido.
5.?Porque usa o português só roupa molhada? ?
-??Porque na etiqueta está escrito: Lave e use!
Episódios (des)embaraçados
Tânia Reis ? Uma vez perguntaram-me se nós entendemos tudo o que os brasileiros falam, se não «dublamos» as novelas.
Sophia Vilhena ? Quando estava em plena depilação a esteticista percebeu pelo meu sotaque que era portuguesa e começou o diálogo:
Ela ? engraçado... você não tem muito pêlo!
Eu ? mas nós as portuguesas não temos muito pêlo! E já fazemos depilação há muito tempo!
Ela - Sério? Mesmo assim tem pouco pêlo!
Eu - Lá todo o mundo faz depilação!
Ela - [não muito convencida!] Ah! Tá bom!
Andreia Marques ? No mercadão de São Paulo disseram-se «engraçado, vocês falam como nós.»
Sofia Marques Silva ? Ter sido recebida, na casa de amigos de amigos que eu acabava de conhecer, de braços abertos e cantarolando «é uma casa portuguesa com certeza, é com certeza uma casa portuguesa».
Luís Maria Barroso - Logo após ter chegado ao Brasil numa viagem a Presidente Figueiredo, a norte de Manaus, fomos mandados parar por um agente da autoridade. Ao que parecia ser um mero questionário habitual, do ponto de partida e ponto de chegada, o agente apercebeu-se do sotaque e começou a tecer elogios ao Cristiano Ronaldo, dizendo nomeadamente que o seu chefe era um grande fã dele. Na sequência da paródia, acabou por me levar à presença do seu chefe. Este, não satisfeito com o debate futebolístico, acabou pedindo-me a carta de condução. Na altura ainda tinha a original portuguesa, e este insistia veementemente em que esta devia estar traduzida para português. Após alguns minutos, lá me disse que o que ele queria é que lhe oferecesse «um guaraná». E assim foi!
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