Num artigo publicado no anuário "Janus 2008", Helena Rato, investigadora do Instituto Nacional de Administração, descreve desta forma o novo cenário da emigração nacional: "verifica-se uma tendência ao aumento da população emigrante com menos de 29 anos de idade, enquanto que o ritmo de emigração da população mais velha tende a manter-se constante; a taxa de crescimento da emigração permanente é superior à da emigração temporária; na emigração permanente, verifica-se uma quase paridade entre os dois sexos, enquanto que a emigração temporária permanece essencialmente masculina; a emigração de trabalhadores qualificados tende a crescer mais do que a dos trabalhadores não qualificados".
Os portugueses que actualmente emigram já não o fazem com "uma mão à frente e outra atrás", refere a socióloga Margarida Marques, nem em "debandada", como dizia Orlando Ribeiro. "Esse Portugal já não existe", sublinha a mesma investigadora. Actualmente, são sobretudo jovens quadros técnicos e científicos que procuram oportunidades de enriquecimento profissional, o que também reflecte "a evolução do país", diz.
Tânia Cunha, de 27 anos, natural de Batocas (concelho do Sabugal), é licenciada em Matemática Aplicada e Computação pela Universidade de Aveiro e vive, desde Junho de 2007, em Madrid. Após o estágio profissional, em Aveiro, recebeu uma proposta de trabalho de uma empresa espanhola. Apesar de também ter tido propostas para ficar em Portugal, decidiu aceitar e diz não estar arrependida. As outras propostas eram "pouco ambiciosas face à proposta da consultora espanhola", explica.
Também Nuno Oliveira, de 25 anos, natural de Vila Branca, concelho de Albergaria-a-Velha, mudou-se para Genebra à procura de "uma boa oportunidade de carreira". Vive na Suíça desde Novembro de 2008, altura em que iniciou um estágio tecnológico no CERN - Laboratório Europeu de Física das Particulas, um "local único", como o próprio descreve.
Uma questão de sobrevivência
Margarida Marques sublinha que o mais correcto não é falar-se em novos emigrantes, mas sim de novas categorias de migrantes. Além dos que saem do país por uma questão de sobrevivência, há também os que "saem porque a multinacional em que trabalham lhes dá a possibilidade de irem para outro país ou os que saem à boleia de programas europeus, de bolsas de estudo ou de investigação".
Não foi esse o caso de Ricardo Taipa, de 37 anos, natural de Lisboa. Viveu um ano na Polónia em 2001, ao abrigo do programa europeu Eramus. Ali conheceu a mulher, uma polaca, com quem regressou a Portugal. Aqui viveram entre 2002 e 2004, mas "todos os factores conjugados pareciam empurrar-nos para fora", desabafa. As "poucas perspectivas de ter um emprego bem remunerado, do desemprego" e do facto de a mulher não poder ter visto de residência (na altura, a Polónia não pertencia à União Europeia), levaram o casal a regressar à Polónia.
Actualmente, Ricardo Taipa é consultor informático na Fujitsu Technological Solutions em Lodz, a segunda maior cidade polaca. Afirma que nunca teve ensejo de deixar Portugal, "um país fantástico e realmente bonito", mas onde a única solução de vida que tinha era a de "endividar-se até ao tutano".
Este consultor informático diz que a Polónia "está longe de ser o ideal de país para viver" e, por isso, não afasta a hipótese de emigrar com a mulher, Paula, e os dois filhos entretanto nascidos, Manuel de quatro anos, e o Marcel, com um ano e meio. Portugal está, definitivamente, de parte, pois aqui "só se vive na plenitude com bastante dinheiro no bolso", lamenta.
Margarida Marques chama a atenção para o facto de haver um conjunto de países com economias emergentes, como os do continente africano ou asiático, onde há muito ainda por fazer e falta mão-de-obra qualificada. Dá o exemplo de Angola, onde estão perto de 75 mil emigrantes portugueses, e "que precisa de tudo, desde médicos a professores, pessoal da construção civil a engenheiros".
Empreendedorismo dos emigrantes
José Marques, professor-adjunto da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria, prefere falar em mobilidade mais do que em migração, visto ser cada vez mais comum as saídas de duração limitada para realizar trabalhos específicos, por um lado, e porque muitos emigrantes qualificados acabam por se mudar de um país para outro com grande rapidez.
À semelhança de Ricardo Taipa, também Tânia Cunha não coloca de parte voltar a emigrar. "Não descarto a possibilidade de emigrar para outro país. Viver e trabalhar noutro país continuaria a ser um contributo importante para o meu crescimento profissional e pessoal", diz.
Este investigador está a desenvolver um estudo sobre "Empreendedorismo transnacional dos emigrantes portugueses", uma área pouco estudada no país. Na apresentação do trabalho, explica que "estudos de vários países têm demonstrado que o auto-emprego e o empreendedorismo migrante têm funcionado em diversos contextos como uma nova via de acesso ao mercado de trabalho dos países de acolhimento".
Embora o estudo esteja no início e se cinja à comunidade portuguesa radicada na Suíça, José Marques referiu que "os empresários nacionais têm aproveitado os emigrantes empreendedores para vender os seus produtos fora do país".
A este propósito, Nuno Oliveira diz que o "preocupa bastante a situação das empresas portuguesas", que não considera "competitivas". "Temos uma carga fiscal elevada e recursos humanos pouco qualificados, o que leva a baixa produtividade e produtos com pouco valor acrescentado". Diz que "seria necessário apostar na formação real de qualidade (a nível técnico e superior), investir em I&D e reduzir os encargos a nível de impostos das empresas".
Fuga de cérebros?
Há quem classifique este movimento emigratório de quadros qualificados como uma "fuga de cérebros", com tudo o que de negativo tal implica para o desenvolvimento de Portugal, mas Margarida Marques recusa esta lógica de pensamento. "A realidade migratória é altamente dinâmica, está sempre em movimento. Isto é extremamente positivo e é bom que os portugueses sem apreciados e reconhecidos no exterior", refere a investigadora do Gabinete de Investigação em Sociologia Aplicada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL).
Nuno Oliveira partilha da opinião: "Só quem nunca saiu de Portugal pensa que não temos valor. Estamos em pé de igualdade com os nossos colegas europeus, apenas precisamos de um sistema a funcionar e que retire o melhor dos nossos recursos", conclui este investigador do CERNE.
Apesar de o fenómeno emigratório ser bastante flutuante, não há, em Portugal, dados quantitativos que permitam fazer estudos mais profundos sobre estes novos emigrantes. Desde 2003 que o Instituto Nacional de Estatísticas deixou de coligir estes dados e o Observatório da Emigração, criado em 2008, encontra-se ainda a recolher indicadores estatísticos.
Fátima Mariano
Jornal de Notícias, aqui.