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Os investigadores que Portugal está a perder...
2010-04-13
São portugueses, jovens, investigadores em áreas científicas diversas e com um currículo invejável. Em comum têm o facto de estarem a desenvolver os seus projectos de investigação… em Barcelona, Espanha. Andreia, João e Alexandre são alguns dos portugueses a trabalhar no Parque de Investigação Biomédica de Barcelona, um dos maiores núcleos de investigação biomédica do sul da Europa. Já o biólogo Hugo está há três anos no Instituto de Ciências do Mar, uma referência a nível mundial. Portugal é para todos um «sonho» ainda longínquo: querem regressar e desenvolver cá as suas áreas de trabalho, mas lamentam que em Portugal, a profissão de investigador e cientista, não seja valorizada. Por isso, o futuro próximo destes quatro «cérebros» portugueses, não passará, infelizmente, pelo seu país…

Andreia Carvalho mudou-se há dois anos e meio para Barcelona. Está a concluir no Parque de Investigação Biomédica de Barcelona, o doutoramento em biologia sintética - uma disciplina relativamente recente que combina ciência e engenharia com o objectivo de desenhar e construir novos processos e funções biológicas.

O projecto desta investigadora portuguesa de 28 anos, consiste "em construir redes genéticas que efectuem a comunicação entre células e estudar e analisar como é que esta comunicação se processa", explicou a O Emigrante/Mundo Português.

Licenciada em Química Aplicada, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, passou por um estágio de 10 meses no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB - foi o seu primeiro contacto com o mundo da investigação, uma área que soube ser aquele onde iria investir, assim que terminou o corso. Outra certeza, foi a de que queria ir para o estrangeiro "conhecer outra realidade, Candidatou-se ao  GABBA - um programa graduado em áreas da biologia básica e aplicada - da Universidade do Porto. Foi uma das 12 aceites, num universo de 120 candidaturas.

"Passados seis meses de aulas no Porto fiz visitas a laboratórios em Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, e acabei por escolher vir para Barcelona pois agradou-me muito o projecto, o facto de o meu supervisor ser jovem e o grupo relativamente pequeno, oito pessoas. Para alem disso, o instituto era bastante recente e gostei muito de atmosfera, bastante jovem e internacional", revelou, acrescentando que, para a escolha da cidade catalã, pesou ainda o facto de estar a apenas 1h30 de avião de Lisboa.

 Implantado numa área de mais de 50 mil metros quadrados, o Parque de Investigação Biomédica de Barcelona (PRBB) é um dos maiores núcleos de investigação biomédica do sul da Europa. Ali trabalham cerca de mil pessoas e reúne seis centros públicos de investigação, um dos quais  o Centro de Regulação Genómica (CRG), onde Andreia está a concluir o doutoramento. "No CRG fomenta-se de forma bastante activa a interacção entre os seus investigadores, inclusive uma vez por mês promove-se uma happy hour, durante a qual num ambiente relaxado e informal os investigadores têm a oportunidade de discutir e falar sobre ciência", explica.

É em parte por tudo o que o Parque de Investigação oferece, que o regresso a Portugal não está nos seus planos, pelo menos, num futuro próximo. E também, pelo muito que Portugal ainda não oferece. Andreia diz que há "condições essenciais" que o seu país ainda não preenche, para que se torne mais "competitivo e atractivo", tanto para investigadores estrangeiros como para os portugueses que queiram regressar.

"Tem de haver um claro compromisso político no sentido de reestruturar a carreira científica", sublinha, acrescentando que o uso extensivo das bolsas e a instabilidade laboral e social "associada a este tipo de estatuto" são alguns dos "problemas mais graves" enfrentados pelos investigadores em Portugal. Além disso defende que é necessário "um trabalho intenso de consciencialização junto do público em geral, para que a profissão de investigador seja valorizada e reconhecida".

 Regresso: um passo atrás

 Hugo Sarmento vai mais longe e afirma "por muito que custe", que voltar para Portugal neste momento da carreira "seria dar um passo atrás".

O biólogo de sistemas aquáticos diz que apesar do esforço que se tem feito para desenvolver a investigação em Portugal, "existem sérias limitações estruturais e de organização que impedem que todo esse trabalho tenha impacto significativo a nível internacional".

"A ciência com mais impacto actualmente está concentrada em centros de investigação especializados e raramente nas universidades. A face visível institucional da investigação em Portugal actualmente é a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia). Este organismo desempenha um papel exclusivamente administrativo, não possui infra-estrutura de investigação. Como resultado, o esforço colectivo a nível nacional fica diluído em instituições de pequenas dimensões e nos rankings internacionais não há nenhuma entidade portuguesa antes da 493ª posição - a título de exemplo o Consejo Superior de Investigaciones Científicas - CSIC em Espanha está em 18º mundial", exemplifica.

Hugo trabalha há três anos no Instituto de Ciências do Mar, um centro de referência mundial na área da Biologia Marinha, depois de ter vivido um ano em França e outros seis na Bélgica, ligado à Universidade de Namur.

Sublinha que em Portugal faz-se "investigação de qualidade" mas lamenta que haja "uma falta de visibilidade a nível institucional e de infra-estruturas de apoio à investigação". "Queremos fazer investigação de qualidade e com impacto a nível internacional, não queremos ocupar a maior parte do tempo a dar aulas em universidades", diz ainda, acrescentando que enquanto não houver "uma única instituição de renome internacional" que centralize "uma parte significativa da politica cientifica nacional e uma fatia importante dos recursos do estado dedicados à ciência, com instalações próprias", será difícil a Portugal, querer atrair cientistas portugueses ou estrangeiros.

Especializado na área de ecologia microbiana, Hugo Sarmento viu na ida para Barcelona, a possibilidade de trabalhar num centro de referência mundial nessa área de investigação. Uma oportunidade que "não se pode desperdiçar".

É por isso que, à semelhança de Andreia Carvalho, o seu futuro próximo - dois a cinco anos - passará por Barcelona. Depois, talvez vá para o Brasil "que está a emergir também como uma potência científica", explica. Não exclui a hipótese de voltar a Portugal, que considera poder vir a ser "um bom desafio", mas está consciente de que "vai ser muito difícil" encontrar no seu país, um centro de investigação que reúna a qualidade e as oportunidades que encontrou no Instituto de Ciência do Mar, em Barcelona.

 Expandir horizontes

 O futuro de Andreia também não deverá passar por Portugal. Neste momento, as prioridades centram-se na conclusão do doutoramento. Depois, diz, "logo se verá". Apesar de sentir falta "da família, dos amigos e da comida portuguesa", destaca a qualidade de vida em Barcelona, uma cidade à qual se adaptou muito rapidamente e onde se sente em casa.

A Alexandre  Rodrigues, também fazem falta a família, os amigos e "a liga portuguesa de futebol". Doutorando em Biomedicina, trabalha pela primeira vez no estrangeiro e diz que leva "uma vida de estudante de doutoramento", em Barcelona. É colega de Andreia no Parque de Investigação Biomédica de Barcelona, onde desenvolve um projecto na área de regeneração de tecidos.

Escolheu aquele centro para poder acompanhar o seu orientador de estágio, que foi convidado para ocupar um cargo no Centro de Medicina Regenerativa, um instituto "novo e com óptimas condições" localizado dentro do Parque. Pesou ainda o facto de Barcelona ser uma cidade de referência nna Arquitectura, área onde trabalha a namorada.

Alexandre encara como "quase certo" o regresso a Portugal. Não sabe apenas quando. "Trabalhamos no estrangeiro para expandir os nossos horizontes e com a esperança de voltar para Portugal com um curriculum algo mais preenchido, mas também, e talvez mais importante ainda, queremos voltar a Portugal para estar perto das nossas famílias", revelou a O Emigrante/Mundo Português. Porém, o futuro, para já, continua na cidade catalã. Está a um ano de completar o doutoramento e pondera já fazer em Barcelona um pós-doutoramento.

João Tavanez também pretende voltar a Portugal "o mais depressa possível". Investigador na área de Biologia Molecular, chegou ao Parque de Investigação Biomédica de Barcelona no Verão de 2008, motivado, por "uma série de razões".

"É um bom centro de investigação, com boas oportunidades de financiamento, e está próximo de Portugal", explicou. "Tivesse em Portugal as mesmas condições que tenho aqui, e estaria em Portugal", afirmou o investigador de 33 anos.

Entretanto, apesar de destacar que as condições de trabalho para quem quer fazer investigação científica em Portugal têm "melhorado", lamenta o facto de "os ordenados dos bolseiros não terem aumentado nos últimos dez anos".

"Já trabalhei na Suíça, na Alemanha e as condições que toda a Europa Central tem, são muito superiores às que temos em Portugal".

 

O desafio do Chefe de Estado

Foi numa ampla varanda do Parque de Investigação Biomédica de Barcelona, com vista para o mar, que o Presidente da República se reuniu com oito dos 20 investigadores portugueses que desenvolvem projectos de investigação naquele centro de renome.
O encontro fez parte do programa oficial da visita que Cavaco Silva realizou à Catalunha, Espanha, nos dias 4 e 5 de Março. Mostrando-se orgulhoso, o Chefe de Estado falou com os investigadores e recordou a sua experiência como estudante no estrangeiro. "Normalmente o português quando vai fazer estudar para o estrangeiro, aproveita bem. Não gosta de regressar com o insucesso à sua própria terra. Foi isso mesmo que eu senti, quando fui estudante no estrangeiro. De outras nacionalidades, a certo momento, regressavam. Perguntava: «então vais-te embora sem terminar o doutoramento» e respondiam «tenho saudades da terra, vou-me embora». Um português não é capaz de fazer isso", afirmou.
Cavaco Silva desafiou os jovens investigadores a regressarem a Portugal, onde disse esperar "que encontrem oportunidade de realização".

 Ana Grácio Pinto
apinto@mundoportugues.org

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