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Quando sair do país se torna internacionalização
2010-03-06
Há quem esteja a voltar a Portugal por querer voltar - sem sequer mudar de emprego, por o mercado o permitir Reportagem

Por Ana Cristina Pereira, em Madrid

Tiago e Ana querem saborear mais um pouco a vida em Madrid. Dario e Rita não tardam a empacotar os livros que no Verão levarão para Portugal. Nicolau e Susana já arrumaram os deles nas estantes da casa que compraram em Lisboa - estão a (re)aprender Portugal. Não estão a fugir à crise. Com o desemprego a atingir os 18,83 por cento em Janeiro de 2010, Espanha enxota calejados trabalhadores para fora das suas fronteiras. O êxodo, porém, não se nota entre os quadros superiores portugueses que entraram no circuito internacional.

Há muito mundo na voz de Nicolau. Estudou fora - viveu em Itália, Inglaterra, em Singapura, em França. Vivia em França quando lhe apareceu uma oportunidade de se fixar em Madrid. Ele veio em Janeiro de 2007 e a namorada em Junho. Agora, a engenheira civil teve uma oferta de trabalho em Portugal e o gestor de produto mudou-se por ela. Ela regressou a Lisboa há seis meses e ele entregou a casa de Madrid no final de Janeiro.

Mantém a função - respondia pelo mercado português numa multinacional farmacêutica e continua a responder, só que paga impostos em Portugal. "Sou apologista da nossa integração com Espanha." Que ninguém o crucifique. Não fala de perda de independência, de identidade. Fala de negócios, de mercado. "As multinacionais tendem a funcionar numa lógica ibérica - a partir de Madrid. Para muitas, Portugal é uma espécie de província espanhola."

O gestor de 35 anos corresponde a um padrão de portugueses qualificados que vivem em Madrid. Ora, as empresas são portuguesas e querem entrar em Espanha. Ora, as empresas são espanholas e querem entrar em Portugal. Ora, as empresas são multinacionais à cata da Península Ibérica. A partir de um certo patamar, já nem será correcto falar em emigração, já se impõe falar em internacionalização, considera o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues.

O caso de Rita é paradigmático. O primeiro empregador dela em Espanha foi oferecido por um português residente em França que ali tentava vingar. "No dia em que me disse que ia fechar o escritório aqui e me perguntou se eu queria ir para França, ligaram-me da Shell." Já nem se lembrava que se tinha candidatado - tinha mandado tantos currículos quando procurara emprego.

Agora, ela está com 33 anos e ele com 34. Agora, o relógio biológico está a tocar. Agora, querem ter filhos e é em Lisboa que está a sua retaguarda familiar. Os pais dele, os pais dela - sobretudo os pais dela. E a empresa que a emprega no sector financeiro da aviação nem pestanejou. "Só preciso de um computador e de um telefone. É indiferente onde estou. Começo o dia a falar com colegas da Ásia e acabo o dia a falar com colegas da América do Sul."

Dario veio no período de euforia. Há dez anos tudo parecia possível a Portugal. Uma empresa de turismo mandou-o desbravar caminho. O engenheiro informático animou-se com a ideia de viver fora, dispôs-se a abrir a sucursal. Conheceu a gestora de produto numa feira: Rita trabalhava na mesma empresa, fartou-se de esperar pela transferência, demitiu-se, mudou-se para Madrid.

Quando o empregador de Dario recuou, ele recusou voltar a Portugal. Chamaram-no para criar o departamento de Portugal numa empresa de novas tecnologias espanhola que ambicionava expandir-se. Ainda lá está: "Já facturamos meio milhão de euros por ano em Portugal! A minha empresa já tem um volume de negócios que justifica a minha permanência lá."

Nunca se desligaram de Portugal - agora, agora mesmo, estão a regressar de um fim-de-semana. Dedicam-lhe muitos fins-de-semana. No Inverno, nada lhes sabe tão bem como uma lareira acesa e uma garrafa de vinho tinto na casa de férias da família em Castelo Branco. No Verão, preferem a brisa da costa. E que falta lhes faz o mar. A Dario mais de que à companheira: "Sou de uma ilha. Nasci na Madeira. E fazemos mergulho."

Adoram Lisboa. Se Dario não fosse português, elegeria Lisboa como melhor cidade para viver: "Combina clima, bom gosto, qualidade de vida. Só é pena que não haja tanto poder de compra." Será um salto qualitativo. "Como vamos transladar a nossa situação profissional, temos as mesmas condições, sabendo que Portugal é 20 por cento mais barato."

Conseguirão readaptar-se? Nicolau só mudou de casa, continua a ter reuniões por aí - Porto, Barcelona, Valença, Madrid. Mas está a ressacar. Fala-se com ele e sente-se que ele está a ressacar. Embora vá à capital espanhola todas as semanas. "Não vivia em Lisboa há cinco anos. Adorei viver em Madrid - tinha a minha empregada, o meu porteiro, os meus vizinhos, o meu dentista. É estranho regressar e ficar num hotel. Ainda mantenho o ginásio!"

Há qualquer coisa numa cidade com o pulsar de Madrid a fazer com que haja sempre gente a chegar, a ficar. Por agora, Tiago e Ana apreciam cada instante. Apesar das buzinadelas que ele ouve quando sai de casa de bicicleta e vai, pela Gran Via, para o emprego.

O casal de consultores abre a porta de casa. O rapaz, de 27 anos, parece decidido: "Para já, gostaríamos de ficar mais algum tempo. Depois, queremos viver noutro país. Temos essa expectativa. Achamos que nos valoriza." A rapariga, de 35, anui, enquanto se senta no sofá da sala. "Seria na zona do Benelux ou na Alemanha - mercados muito dinâmicos."

Não sentem saudades - não dá tempo. Esmiúçam as ofertas das companhias aéreas em busca dos melhores preços, acumulam pontos. As possibilidades alargaram-se nestes três anos. Agora, há cinco companhias aéreas a fazer Madrid-Lisboa. Com 20 ou 30 euros vão e voltam. Já compraram o que Tiago chama os "o plano de férias do emigrante": "Vamos na Páscoa, em Agosto, em Dezembro".

A maternidade terá de encaixar-se nestas andanças. Já começaram a treinar com a gata que ele lhe ofereceu no Natal. A ausência de retaguarda familiar não assusta. "É como um casal do Porto que vai morar para Lisboa", julga Tiago. "Se for em Madrid, temos muitos "tios"", sorri Ana. Se os ouvissem, Rita e Dario estariam a abanar a cabeça em sinal de desacordo. Aqui não lhes dá tanto jeito perseguir o sonho casa-carro-bebé. Contribuirão para aumentar a taxa de natalidade de Portugal - uma das mais baixas do mundo. Conhecem o debate nacional sobre envelhecimento - conhecem os debates que se travam no país. Interessa-lhes as políticas - vão votar: Tiago e Ana ainda não falharam uma eleição desde que se mudaram para Madrid. Não sabem o que se passa por conhecerem sítio onde possam comprar jornais portugueses em Madrid - lêem-nos na Internet. Mas a vinda de Cavaco Silva a Espanha não os mobiliza. Cavaco nunca esteve longe. Aqui, nada do que é português parece estar longe. Só as oportunidades.

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