A crispação social cristaliza-se em França, com o impasse na
Cimeira Social entre Governo, patronato e sindicatos e o anúncio de que, até ao
final de 2010, cerca de um milhão de desempregados "em fim de
direitos" ficará sem qualquer proteção social.
Sindicatos, economistas e filósofos alertam para um nível perigoso de
"emoções críticas" na sociedade francesa e o risco de
"descontrolo". As greves sucedem-se, da Air France à Total, e as
centrais sindicais anunciam uma grande jornada nacional de "sensibilização"
para 23 de março.
Neste cenário, as marcas de dois anos de crise não poupam a comunidade
portuguesa em França, segundo diferentes testemunhos recolhidas pela Lusa.
O taxista Luís Madeira, em Paris, tem alguns "clientes de grandes
empresas", gente "com acesso a certas informações". Acontece
ouvi-los. "Eles dizem que 2010 será um ano de mais dificuldades do que
2009", contou à Agência Lusa.
"As dificuldades são comuns, porque a situação geral é muito mais difícil
do que se pensa", afirma Luís Madeira, um dos cinco mil taxistas
portugueses da Grande Paris e presidente de uma federação sindical nacional do
setor.
"Basta andar pelo "periphérique" para ver novos bairros de lata
que não estavam lá há cinco anos. São coisas que não se via em Paris desde o início
dos anos 70", nota o emigrante português.
"O que se passa hoje em França é que há muitos trabalhadores com salário
mas que, mesmo assim, não conseguem subsistir", frisou Luís Madeira.
A comunidade portuguesa, no entanto, sobretudo a geração mais velha, tem
"fatores de amortecimento da crise", salientou à Lusa a responsável
de Estudos e Planeamento da Caixa Geral de Depósitos em Paris, Cristina
Semblano.
Para lá de situações de carência, "que existem, se
tomarmos a globalidade da população portuguesa, toda a solidariedade familiar
e, diria até, comunitária, faz com que os efeitos da crise não sejam tão
grandes" como poderia acontecer, segundo a economista.
"Haverá uma franja menos tocada pela crise, a dos extratos mais idosos da
população, aquela que é constitutiva da emigração dos anos 60 e 70",
referiu Cristina Semblano, que falou à Lusa "como economista".
"É uma população habituada historicamente a privações em Portugal e em
França, porque a população que emigrou, se conseguiu realizar certo tipo de
projetos como a construção da casa em Portugal ou alguma educação para os
filhos, foi graças a privações também", salientou.
Cristina Semblano distingue dois grupos muito vulneráveis: os "novos
emigrantes" para setores como a construção civil e os "jovens
quadros" que, mesmo com formação superior, não conseguem viver em Portugal
e saem para a "Europa".
Os jovens portugueses, quase sempre em trabalhos precários, estão na
"linha da frente" da perda de emprego, num país que conheceu, em
2009, o ano mais recessivo desde a Segunda Guerra Mundial. A França perdeu
quase meio milhão de empregos em 2009 e o PIB caiu 2,2 por cento.
"Em todo o lado, instalou-se uma relação agressiva na sociedade
francesa", resumiu à Lusa o mediador da República, Jean-Paul Delevoye, que
esta semana apresentou à Assembleia Nacional um relatório anual "de grande
preocupação".
Bomdia.lu, aqui.