Por José Bento Amaro
Há nove pessoas identificadas e admite-se que muitas mais possam vir a engrossar a lista. São homens, residentes em aldeias da zona da Cova da Beira, no distrito de Castelo Branco, que, depois de aliciados em Portugal, rumaram a quintas espanholas, na região de Valladolid, onde acabaram escravizados, roubados e acorrentados para que não fugissem. A Polícia Judiciária (PJ) da Guarda encerrou ontem as investigações, que já duravam há mais de dois anos, e constituiu três arguidos, todos portugueses e da mesma família.
Este não é o primeiro caso de escravatura com portugueses em Espanha, em Abril de 2005, um outro foi muito falado na região de La Rioja (foto).
A história desta investigação iniciou-se em 2007, quando um dos homens que
tempos antes aceitara ir trabalhar para Espanha regressou à sua terra, faminto
e assustado. Haviam-lhe prometido cama, mesa e roupa lavada mas o que recebeu
foi fome, encarceramento, agressões e insultos. Do equivalente ao ordenado
mínimo com que lhe haviam acenado, apenas em duas ou três ocasiões teve
oportunidade de ver uns parcos euros.
A aventura deste homem - que, tal como os restantes companheiros, tem entre 20
e 35 anos - acabou por ser dada a conhecer à PJ que, a par da polícia
espanhola, foi identificando algumas quintas que acolhiam mão-de-obra escrava.
Numa das explorações agrícolas descobriu-se que os trabalhadores, que labutavam
de sol a sol, dormiam num antigo aviário. Quando daí conseguiram fugir algumas
pessoas, a vigilância e a intimidação foram reforçadas. Às agressões físicas
seguiram-se as correntes, para agrilhoar homens e trancar portas.
Os carcereiros deste grupo ainda incontável de escravos - ainda se tenta
localizar pessoas que tenham passado pelas quintas, sendo que o caso nem sequer
é inédito, uma vez que nos últimos anos se concluíram mais três processos do
género - são três portugueses: pai, mãe e filho. Corriam as aldeias portuguesas
da Cova da Beira, aliciavam os homens e levavam-nos de carro até Espanha.
As averiguações da PJ revelam que as pessoas se deslocavam de livre vontade, ao
mesmo tempo que mostram que os donos das explorações agrícolas para onde eram
enviadas desconheciam o modo como eram tratadas. Ficava tudo nas mãos da
família: desde a contratação do pessoal ao seu transporte, distribuição pelos
locais de trabalho, alimentação e pagamento dos vencimentos.
O dinheiro, diz agora a Judiciária, raramente chegou às mãos dos trabalhadores,
ficando-se pelos bolsos dos angariadores que, perante as reclamações, não se
coibiam de retaliar com violência física e com as costumeiras correntes. Não se
sabe ao certo quanto é que a família terá roubado aos trabalhadores, mas
sabe-se que estes, por andarem quase sempre desocupados nos locais onde
nasceram, acediam a trabalhar a troco de vencimentos que não ultrapassavam o
ordenado mínimo.
Os angariadores terão justificado a não entrega dos vencimentos com a
necessidade de os trabalhadores terem de pagar a dormida e a alimentação,
condições essas que não constavam dos acordos iniciais. Actualmente, o casal
envolvido no caso está a residir em Espanha e deverá responder num tribunal
português. O seu filho encontra-se numa cadeia do país vizinho, preso à ordem
de um outro processo, onde é acusado da prática de diversos crimes violentos.
Público, aqui.