Liliana Martins é internacional portuguesa e veste a camisola do I'R na Islândia, depois de também ter estado em Espanha. Em entrevista ao «O Emigrante/ Mundo Português», Liliana fala de uma experiência que tem sido "fantástica", num país sobre o qual tece rasgados elogios. Mas o momento mais alto é quando veste a camisola da selecção portuguesa que, na sua opinião, se encontra no caminho certo para o sucesso.
Vive a milhares de quilómetros do seu país, rodeada pelo oceano Atlântico e pelo mar da Noruega. Na «Terra do Gelo» Eidur Gudjohnsen é o jogador mais conhecido embora a cantora Bjork seja a primeira celebridade que nos vem à cabeça quando falamos da Islândia.
Liliana Martins tem 28 anos e é uma portuguesa de sucesso, que joga futebol na equipa islandesa do I'R onde acumula a função de treinadora. Começou a jogar a sério bem cedo, quando tinha 16 anos, e hoje não se imagina a fazer outra coisa. O futebol é uma paixão e a selecção um objectivo permanente.
Jogou no campeonato português, onde foi campeã no 1º de Dezembro, esteve em Espanha e acabou por arriscar uma aventura na Islândia. Uma aposta ganha e que enche Liliana de orgulho.
O futebol sempre foi uma paixão?
Sim. Durante a minha infância, sempre joguei futebol com os amigos. Adorava desporto, mas o futebol foi a maior paixão. Para além de jogar com os amigos, podia sempre contar com a minha mãe e com o meu irmão para uma peladinha.
Quando percebeste que jogar era uma coisa séria?
No primeiro ano no 1º Dezembro. Quando cheguei ao clube, queria apenas ver como era jogar numa equipa a sério, ver se tinha realmente capacidades para o futebol. Os primeiros tempos não foram fáceis, mas fizeram-me bem. A partir daí, sempre quis dar o meu melhor.
Jogaste no 1º Dezembro e depois no Setúbal. Tens saudades desses tempos?
Claro que sim. No 1º Dezembro, estive 6 anos. Foi o meu primeiro clube, foi onde fiz a minha formação, onde ganhei títulos, Taça de Portugal e foi quando fui internacional pela 1ª vez. Foi, sem dúvida, o clube com o qual tive maior ligação. Deixar o clube, foi dos momentos mais difíceis que passei, deixei amigos e muito boas recordações.
No Vitória de Setúbal, estive apenas um ano. E um ano bastou para construir uma equipa, tínhamos um grupo muito unido e cheio de vontade para continuar. Na época seguinte, mudava-se a estrutura do campeonato e pela boa classificação nesse ano, jogaríamos na 1ª divisão. Esse primeiro ano no Vitória foi muito parecido com o primeiro ano no 1º Dezembro, era como começar de novo. Tive muita pena que o vitória acabasse, mais uma vez deixei grandes amigas e momentos que nunca vou esquecer.
Acompanhas o campeonato português? O que achas que deve ser feito para melhorar o nosso futebol?
Tento mas confesso que é difícil acompanhar tudo. Principalmente porque a comunicação social não acompanha o futebol feminino como acompanha o masculino. A melhor forma é através dos blogues formados pelos próprios clubes.
Já começam a existir escolas de futebol, penso que é um princípio. Uma das medidas a adoptar é apostar mais na formação. Mas, ainda existem poucas atletas nas escolas de formação.
E a nível de divulgação?
Tem que haver maior divulgação do futebol feminino de forma a impulsionar a prática. Havendo maior divulgação da nossa selecção e do campeonato português, as jovens sentem maior motivação e aí já será possível, haver equipas nos escalões jovens de forma a existir competição. Haver escola sem competição, leva a desmotivação e consequentemente ao abandono da prática. Outro facto que não é bom, é o de de várias equipas estarem quase sempre na iminência de acabarem por falta de verbas. É difícil construir algo assim.
O Odivelas, por exemplo foi campeão da II Divisão, subiu mas acabou...
Aconteceu com o Vitória, assim como este ano aconteceu com o Várzea e com o Odivelas. Assim, é difícil trabalhar para o futuro. O 1º Dezembro já é campeão há 8 épocas consecutivas. Tem de haver maior competitividade no campeonato. Seria bom para todas as equipas e jogadoras. E claro, iria tornar o campeonato mais espectacular e emocionante também para os espectadores.
Como tens visto a saída de muitas jogadoras para jogar no estrangeiro?
Como jogadora de futebol, penso que é uma experiência a ter. Conhecer outra realidade no futebol, outra cultura, mentalidade, pessoas, métodos de treino, outro país, etc... Enfim, é um desafio a não perder.
Mas, por outro lado, é triste ver as nossas jogadoras deixarem o país em busca de melhores condições. No fundo, é isso que acontece. Só pensei em ir para Espanha porque o Vitória de Setúbal acabou. Deixou de haver condições, e eu queria mais e melhor. Eu precisava de um novo desafio. Desta forma, o nosso campeonato fica um pouco mais pobre com a partida de jogadoras de grande qualidade.
Como disseste jogaste em Espanha. Como foi a experiência?
Fantástica e inesquecível. Não fui sozinha, o que facilitou tudo. Comigo, foi a Ana Rita e a Joana Pavão [internacionais portuguesas].
Tínhamos jogado na época anterior no Vitória e estávamos sem clube. A equipa do Sporting Clube de Huelva foi formada naquele ano e mesmo de Huelva só tinha uma jogadora. A equipa não se conhecia e era constituída por jogadoras de Sevilha, Jaen, Barcelona, Valladolid, Granada e de outra cidades também. Mais tarde, a Rita Carneiro [internacional portuguesa] juntou-se a nós. Tínhamos uma equipa muito engraçada, lutávamos para subir à Superliga e todas tínhamos muita ambição.
Como foi a adaptação?
Nesse ano eu estava em estágio na Escola Secundária Passos Manuel o que não me permitiu ir viver para Huelva. Treinava em Lisboa e quando chegava a sexta-feira ia de comboio para o Algarve onde posteriormente me iam buscar. Foi um ano esgotante, mas que me deu muito gozo.
O que mudou depois...
No 2º ano, já fiquei em Huelva, e aí sim, jogávamos na superliga feminina. Viajámos por toda a Espanha e conseguimos a manutenção na Superliga. Foram dois anos muito bons, num campeonato muito competitivo onde há maior aposta no futebol feminino. Para além disso, a nossa equipa era como uma família, andávamos sempre todas juntas. Como não provenientes de Huelva, só nos tínhamos umas ás outras. Mais uma vez, fiz grandes amigas e tive momentos inesquecíveis.
Como está a ser a experiência na Islândia?
Muito boa. Trabalho ao ar livre e quase nunca tenho frio, o que é quase impossível na Islândia. Trabalho no Spa Blue Lagoon e faço o que gosto (apesar de também gostar de dar aulas). Não há trânsito no caminho para o trabalho e lido principalmente com turistas que adoram a Lagoa Azul. Para além disso, jogo futebol, treino 4 a 5 vezes por semana (impensável em Portugal para quem trabalha) e este ano sou treinadora da equipa, o que me realiza ainda mais. Tudo tem sido um grande desafio e uma aprendizagem constante.
Mas já tiveste vontade de regressar a Portugal?
Penso muito em Portugal, principalmente no verão. Desde que nasci que tenho férias na praia e desde que estou na Islândia que não tenho praia porque o campeonato é no verão e normalmente tenho férias entre Setembro a Outubro. Para além disso, tenho uma relação muito apegada com a minha família e claro, deixei grandes amigos. Estas são as três razões que me fazem pensar em voltar, nada mais.
Como é o teu dia-a-dia?
Muito saudável na minha opinião. Acordo cedo, tomo o pequeno-almoço enquanto vejo os jornais portugueses e islandeses. Vou trabalhar, quando acabo volto a casa e preparo o treino. Vamos as três para o treino (a 5 minutos de carro) e depois do duche preparamos o jantar. Acabo o dia a ver um filme ou agarradíssima à internet.
Como surgiu o convite para treinadora?
Na época passada, o treinador da equipa passou a ter funções de coordenador do futebol juvenil. Não lhe restava tempo para continuar como nosso treinador. A direcção convidou-me e eu aceitei.
Os islandeses conhecem Portugal?
Claro! Todos conhecem o Algarve... no verão, a maior parte dos islandeses procuram férias na praia. O sul de Portugal e Espanha são os destinos favoritos.
Como descreves a Islândia?
A Islândia é uma ilha fantástica. Tem uma beleza natural espantosa, que nunca imaginei ate cá estar. É um país que tem muita paz, ideal para descansar e recarregar baterias. Nunca estive num país tão seguro, não têm exército, nem força aérea, nem marinha. A polícia não usa armas de fogo. Para além disso, tem a água e o ar mais puros do mundo.
SELECÇÃO NACIONAL
Vestes a camisola de Portugal. Como é representar a selecção?
É uma honra muito grande. É o sonho de qualquer jogadora e eu não sou excepção. Quando comecei a jogar futebol nem sabia que havia selecção e não sabia que a minha equipa tinha jogadoras de selecção. Quando fiquei saber, esse sonho nunca mais me largou e logo nas férias do meu primeiro ano, comecei a pôr-me em forma. Tinha muita motivação, mas infelizmente na pré-época lesionei-me com gravidade no joelho. Sem detectarem o problema e como a minha motivação era mesmo muita, continuei a jogar e conseguimos ser campeãs pela primeira vez. No fim da época, fui operada. Com a recuperação, a motivação aumentou e fiz uma grande época no ano seguinte. Não fomos campeãs, mas fui pela primeira vez à selecção.
Ainda te lembras da estreia?
O primeiro jogo é o mais marcante, quase não consegui dormir antes de entrar em estágio, estava muito feliz mas é quase impossível não ficar nervosa. Foi dos momentos mais felizes da minha vida. Momentos como a entrada no estádio, ouvir o hino nacional, vestir o equipamento, celebrar os golos são os mais emocionantes! É um orgulho fazer parte do grupo.
Sentes saudades quando estás ausente?
Claro que sim. A selecção é uma família da qual também já fiz parte. Treino para jogar futebol ao melhor nível possível, adoro treinar e faço-o para ser melhor jogadora na minha equipa e na selecção. O facto de estar a jogar longe não facilita as observações dos técnicos o que pode ser prejudicial para mim. De qualquer forma, trabalho com objectivos bem traçados e a selecção é um deles.
Já viveste várias fases na selecção. Achas que estamos no bom caminho?
Acho que sim. Temos muita qualidade nas nossas jogadoras e mais do que qualidade, temos força de vontade! Os quadros competitivos mudaram e a selecção tem vindo a fazer óptimos resultados. Precisamos de renovar o futebol feminino em Portugal, o apoio tem de continuar a crescer e se assim for, estou certa que vamos colher frutos.
Vês com bons olhos a integração de jogadoras luso-descendentes na selecção? Achas que é benéfico?
Na minha opinião, tudo depende das necessidades da selecção e da qualidade dessas jogadoras. Por exemplo, se há necessidade de termos uma defesa central melhor do que as defesas centrais nascidas em Portugal, porque não? Temos de ter uma selecção competitiva, mas sem descurar as jogadoras nascidas no país.
Qual o teu sonho como jogadora/treinadora?
Como treinadora, este ano gostava que a equipa se mantivesse na 1ª liga, outros sonhos virão, mas só depois de deixar de jogar. Como jogadora, gostava de continuar a ser opção na selecção nacional e quem sabe, jogar noutro campeonato europeu.
Já tiveste contacto nos teus jogos com emigrantes portugueses?
Sim. Já aconteceu estarem portugueses a assistir aos jogos e conhecê-los dessa forma. É sempre bom encontrar portugueses. Parece que voltámos a casa!
Ana Rita Almeida