FR
Início / Notícias / OEm nos média
E se eles voltassem?
Há 40 anos, meio milhão de pessoas chegou a Portugal num ano. Um cenário de retorno de portugueses em grande número, em poucos meses, é pouco provável, mas não é de excluir. Estaria o país preparado para o enfrentar se ocorresse hoje?

s grandes caixotes de madeira estavam cheios de vida. Por fora, tinham o nome de quem os enviara, lá dentro, cabiam objetos grandes e pequenos, rotinas, sonhos e emoções. Estavam à espera no cais de Lisboa até que fosse possível absorvê-los e abri-los aos novos dias. O repatriamento dos portugueses vindos das ex-colónias, conhecido como o movimento dos “retornados”, traduziu-se em 1975 na chegada de meio milhão de portugueses, representando 5% da população da altura. E foi esse peso e essa concentração no tempo que fizeram deste um retorno ímpar entre os repatriamentos noutros países europeus, como França ou Holanda. Os 500 mil que regressaram ao longo do ano seguinte ao 25 de Abril são mais do que todos os imigrantes que entraram no país nas quatro décadas seguintes, nota Rui Pena Pires, sociólogo, diretor do Observatório da Emigração (OEm) e autor da única investigação que caracteriza em pormenor o retorno das ex-colónias em resultado da descolonização após o 25 de Abril.

Depois disso, as saídas de portugueses para outros países baixaram. Viriam a aumentar já no início do novo século e acentuaram-se nos anos mais recentes. O número de portugueses espalhados pelo mundo atingiu o valor mais alto de sempre em 2015 — segundo as estimativas das Nações Unidas, eram mais de 2,3 milhões, contando para isso o peso das saídas mas também a fixação e os poucos regressos. E, assim, a ideia de retorno foi-se diluindo.

Mas e se, de repente, a vida no país para onde se foi à procura de melhores dias começar seriamente a degradar-se? O que se faz? “Sair do país é a última das opções. Mas se começarem a existir ameaças, equacionam-se as opções”, defende João Peixoto, especializado em sociologia económica e professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). E o que leva as pessoas a regressar em massa ao seu país “é sobretudo a insegurança grave”, nota Pena Pires.

Poderá então, por exemplo, a atual situação da Venezuela — mergulhada numa grave crise económica que está a deixar o país com escassez de alimentos e de outros bens essenciais, aliada a uma instabilidade política — ser suficientemente grave para fazer a comunidade portuguesa regressar? E a mesma pergunta pode ser feita em relação às dificuldades económicas sentidas em Angola, à instabilidade e insegurança na África do Sul ou à incerteza em relação às consequências da saída do Reino Unido da União Europeia.

E se, realmente, muitos portugueses decidissem voltar e houvesse um novo retorno em larga escala a Portugal? Que peso teria no mercado de trabalho, na habitação ou nos apoios sociais? Investigadores de áreas diferentes, da economia à geografia e sociologia, ligados ao estudo da emigração portuguesa, tendem a não excluir esse cenário de retorno em larga escala. Se é possível? Sim, é, dizem, sobretudo tendo em conta a imprevisibilidade e complexidade das migrações. João Peixoto considera que Portugal é “claramente um destino possível” de retorno. “Não é pelo mercado de trabalho, mas o emprego também não é a única variável. Há as redes de entreajuda, a origem portuguesa, a presença da família, a língua. Isso torna o país um destino provável, apesar dos problemas económicos.”

É um cenário possível. Mas é provável? Não, não é, concordam. “Neste momento, num horizonte curto, nos próximos dez ou 15 anos, não creio que haja um retorno em massa. A probabilidade não é grande”, defende Jorge Macaísta Malheiros, geógrafo, especialista em migrações e investigador no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT). Menos provável é se o imaginarmos com a dimensão do retorno nos anos 70. “A não ser que tenhamos uma situação de guerra, que também já foi menos possível no passado recente, é muito improvável um fluxo de retorno maciço, concentrado no tempo, como aconteceu com os retornados, que foi um caso excecional da história portuguesa”, realça o diretor do OEm.

Sendo um cenário possível, é importante estudá-lo. Para ser um retorno “em larga escala” teria de envolver a entrada de mais de 100 mil pessoas em poucos meses, ou seja, representar pelo menos 1% da população atual (10,3 milhões de habitantes). O que os investigadores defendem é que se um dia, nos anos 70, numa fase de instabilidade e de mudança, com estruturas sociais ainda frágeis, foi possível absorver meio milhão de pessoas, hoje também seria. “Um país como Portugal, em 1975, acabado de viver uma revolução, numa altura de grande convulsão económica internacional por causa do choque petrolífero, absorveu 500 mil pessoas que eram, tecnicamente, refugiados de guerra. Quem viveu nesse tempo lembra-se de convulsões e problemas internos. Mas apesar de tudo é um caso notável de integração na sociedade portuguesa. Olhando para trás, é quase um milagre”, diz João Peixoto. “Havendo uma raiz, descendência, família e memória, há a possibilidade de reativar as redes de apoio.”

 

Ler artigo completo no Expresso, aqui.

Observatório da Emigração Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
Instituto Universitário de Lisboa

Av. das Forças Armadas,
1649-026 Lisboa, Portugal

T. (+351) 210 464 322

F. (+351) 217 940 074

observatorioemigracao@iscte-iul.pt

Parceiros Apoios
ceg Logo IS logo_SOCIUS Logo_MNE Logo_Comunidades